Nessa parte, analisamos mais um lugar de memória do movimento de 1930: a institucionalização do feriado de 26 de julho, em alusão à morte do ex-presidente João Pessoa. Focamos as práticas de comemorações cívicas ocorridas anualmente, quando se celebrava o mito. O recorte temporal que fizemos para essa análise, coincide com os marcos divisórios da chamada Era Vargas (1930-1945), tendo em vista que os entendemos emblemáticos, na média duração, no que concerne à produção e à socialização da memória histórica oficial do movimento de 1930.
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM FERIADO: A MARCA DA MEMÓRIA
Sendo o calendário uma construção cultural, muito embora muitos povos tenham tomado a natureza como parâmetro para elaboração destas marcas do tempo, é uma forma do Homem se situar no mesmo, localizando acontecimentos, podendo julgá-los por critérios de anterioridade, posterioridade e simultaneidade. Como construção histórica, pois, sofre as interferências dos seres humanos e se adéqua a diversos interesses. Um exemplo, dentre tantos, é o calendário revolucionário francês, dando denominações aos meses de forma a rememorar a Revolução de 1789. A institucionalização de um feriado exemplifica essa busca de controle do tempo pelo Homem, uma vez que se constitui como um momento de suspensão do cotidiano em que se demarca algum evento especial. Há, portanto, uma pausa no ritmo diário do trabalho e da dinâmica do dia-a dia para a realização das comemorações.
A comemoração pretende exorcizar o esquecimento (LIPPI, 1989, p. 2), de modo que os organizadores das festas revolucionárias procuram, anualmente, afirmar a revolução, ensinando-a a quem não a conheceu diretamente. (OZOUF, 1988, p.219).
Durante o século XIX, houve uma explosão do espírito comemorativo. Foi a Revolução Francesa a dar esse exemplo? Mona Ozouf descreveu bem esta utilização da festa revolucionária a serviço da memória: “Todos os que fazem calendários de festas concordam com a necessidade de alimentar através da festa a recordação da revolução.” (apud LE GOFF, 1992, p.199).
A laicização das festas e do calendário facilita, em muitos países, a multiplicação das comemorações. Na França, o 14 de julho. Nos Estados Unidos, após a Guerra de Secessão, os estados do norte estabeleceram um dia comemorativo, festejado a partir de 30 de maio de 1868: “Se os revolucionários querem festas comemorando a revolução, a maré da comemoração é, sobretudo um apanágio dos conservadores e nacionalistas, para quem a memória é um objetivo e um instrumento de governo” (LE GOFF, 1992, p. 463).
A comemoração, segundo o citado historiador francês, apropria-se de suportes: moedas, medalhas e selos de correios multiplicam-se. A partir do século XIX, uma nova vaga de estatuária, uma nova civilização da inscrição (monumentos, placas de paredes, placas comemorativas nas casas de mortos ilustres) atinge as nações européias.
Analisando as tradições inventadas no século XIX, pela Terceira República Francesa, Hobsbawm (1984, p. 279), assinala três tipologias como consideravelmente importantes: os monumentos, a educação primária e as cerimônias públicas.
Os conteúdos escolares constituintes dos manuais tinham um cunho acintosamente nacionalista e republicano, estando a serviço da legitimação ideológica da Terceira República, e objetivavam, “transformar não só camponeses em franceses, mas todos os franceses em bons republicanos”. (HOBSBAWM, 1984, p. 279).
No que tange às cerimônias públicas, parece ser o Dia da Bastilha o mais festejado, reunindo manifestações oficiais e não oficiais, “confirmando anualmente a condição de França como nação de 1789, na qual todo homem, mulher e criança franceses poderiam tomar parte”. (HOBSBAWM, 1984, p. 279).
No Brasil, as festas públicas, misturando atributos cívicos e religiosos, remetem ao período colonial, tendo continuidade após a independência, em outro contexto histórico, daí, algumas características diferentes do período antecedente. Nas palavras de Souza (1999, p. 209),
As cidades e suas câmaras, arranjadas com a igreja, comemoravam de tempos em tempos, e por ordem do Estado, o nascimento dos herdeiros, os casamentos dos infantes, a aclamação do soberano, os batizados das crianças reais, as exéquias dos príncipes; daí advinha todo um novo ciclo, ao inaugurar-se um novo reinado.
Durante o império, festa era o que não faltava. O protagonista, evidentemente, não poderia ser outro, senão o imperador. Por onde andasse, em carne e osso, ou mesmo presente por meio do retrato, reunia uma população esbanjando comemoração. Anteriormente à independência, quando ainda era príncipe, D. Pedro empreendeu viagens em busca de adesões ao projeto de separação do Brasil. Assim como, posteriormente, ocorreria com a aclamação e coroação do imperador do Brasil, tudo era ritualizado, cerimonializado, em demonstração de uma nação que caminhava no rumo da “civilização”. Concordamos com Souza (1999, p. 251), quando destaca que
Esses signos, símbolos, vivas, proclamações, imagens e metáforas, no seu conjunto e volume, entrecruzando-se aqui e acolá no universo social, nas celebrações públicas e oficiais, instauravam uma dada noção de Brasil, mediada pela monarquia constitucional e pelo civismo cobrado de cada um. Nesse sentido, tantos adornos, ritos, signos da monarquia, ajudavam a construir uma idéia e uma imagem da nação brasileira, concorrendo para seu eficaz reconhecimento. E, ao mesmo tempo, este Estado forte que assegurava a união territorial norteava-se pela monarquia, banindo o advento da república, prima da anarquia.
A festa cívica tem um caráter pedagógico. Ela é organizada no sentido de dar lições, de inculcar um ideário que legitime um determinado regime político. No caso do Império brasileiro, as festas funcionavam com o objetivo de comemorar a nação que, na visão das elites e do Estado, estava no rumo do “progresso” e da “civilização”, conforme rezava a cartilha de modelo eurocêntrico. Era preciso, entretanto, aprender as “tradições nacionais”, buscando, no passado, as origens dessa nação “predestinada” que caminharia para o futuro, a realizar-se a cabo do Estado monárquico, garantidor da unidade territorial, diferentemente das repúblicas latino-americanas, que teriam proporcionado o esfacelamento político-territorial e a anarquia.
Nesse particular, cumpre fazermos referências às datas comemorativas nacionais, algumas das quais, ainda hoje, bastante festejadas no cotidiano escolar da Educação Básica. Entre 1820 e 1830, o Estado lançou os marcos temporais da nação brasileira, autônoma e regida por constituição própria. Datas como o 7 de setembro (grito do Ipiranga), o 9 de janeiro (Dia do Fico), o 25 de março (outorga da Constituição), o 3 de maio (abertura da Assembléia Constituinte) e o 12 de outubro (aclamação de D. Pedro I e oficialização do império), “espelhariam a marcha da civilização brasileira e serviriam à sua própria celebração.” (SOUZA, 1999, p. 253).
Com a implantação do regime republicano, contudo, as apropriações dos passados mudam, com seus acontecimentos e “heróis”, escolhidos de modo a legitimarem o novo regime político. Acontecimentos como a Inconfidência Mineira, a Revolução de 1817, os movimentos de 1824 e 1848, ganharam destaque nos currículos e passaram a ser disseminados pelos livros didáticos. Tiradentes passava a ser o “herói” que vinha dar legitimidade aos republicanos de 1889. A idéia era buscar no passado “heróis” e acontecimentos que demonstrassem a valorização da República como regime ideal, desde os tempos coloniais.
Com base nas possibilidades analíticas oferecidas por estes exemplos, passemos às comemorações do aniversário de morte de João Pessoa. Inicialmente, faz-se importante recorrermos ao projeto de lei que alterou o calendário da Paraíba, instituindo o 26 de julho como feriado estadual, o ato instituinte:
Projecto Nº 1- A Assembléia Legislativa do Estado da Parahyba, Resolve:- Art. 1º- Considera-se feriado estadual o dia vinte e seis de julho, em homenagem ao inolvidável presidente João Pessoa. Art 2º- Revogam-se as disposições em contrário. Assembléia Legislativa da Parahyba, 12 de agosto de 1930. (a)- Argemiro de Figueiredo. (Livro de Atas da Assembléia Legislativa da Paraíba).
Em sessão legislativa do dia anterior à apresentação desse projeto, os deputados haviam votado e aprovado um minuto de silêncio em homenagem à memória de João Pessoa. No dia seguinte, era apresentado o primeiro de tantos outros projetos que criavam lugares de memória do presidente morto. Como ocorreria em setembro de 1930, com a apresentação do projeto que propunha a mudança do nome da capital, o autor da propositura que alterava o calendário cívico da Paraíba, foi o deputado campinense Argemiro de Figueiredo, cujo perfil político já fizemos notar no segundo capítulo desse trabalho. No dia 27 de agosto de 1930, ocorrera a primeira discussão do projeto. No dia seguinte, o deputado Generino Maciel recomenda que o mesmo seja enviado à Comissão de Justiça, sendo aprovado, por unanimidade dos votos, na sessão do dia 3 de setembro, e sancionado pelo presidente Álvaro de Carvalho, como Lei nº 702, de 9 de setembro de 1930.
Foi, sem sombra de dúvida, a primeira intervenção oficial na construção da memória de João Pessoa e da “Revolução de 30”, demonstrando que, como fizeram os franceses, “a alteração do calendário pode ser tomada como um exemplo extremo de que controlar o tempo se torna essencial ao poder”. (OLIVEIRA, 1989, p. 2). A partir de então, essa data, expressão de lugar de memória, se transformaria, anualmente, em “festa capaz de mobilizar uma cidade ou parte dela, interrompendo o funcionamento das instituições públicas, a rotina de trabalho, alterando o fluxo e o movimento das ruas...” (SOUZA, 1999, p. 214-215).
Tomando por base a institucionalização do feriado de 26 de julho, buscamos compreender a criação e a apropriação feitas por parte do Estado, desse lugar de memória, dando visibilidade maior, já que é a proposta desse capítulo, ao papel das escolas paraibanas e às práticas desenvolvidas no dia do aniversário de morte do ex-presidente João Pessoa.
Partindo da idéia de um Estado Nacional centralizado, após 1930, cuja intervenção no ensino de História se fazia notar no currículo, que primava pelo realce aos vultos da Pátria, colocam-se alguns questionamentos: Como foi possível celebrar e comemorar um “herói” paraibano? Que práticas culturais-simbólicas compunham a programação dessas festas cívicas? Qual o papel da escola nesse universo simbólico da comemoração?
UM HERÓI PARAIBANO COMO HERÓI NACIONAL
Apresentamos algumas indagações anteriormente, às quais buscaremos responder a seguir. Comecemos, então, pela primeira delas: João Pessoa, um “herói” regional ou nacional?
A historiadora Bittencourt (2006) discute a construção da memória histórica no âmbito da educação escolar, porém, fora da sala de aula, mediante práticas educacionais comemorativas de eventos e de “heróis nacionais”, no decorrer das primeiras décadas do século XX. Conforme observa a autora,
As atividades programadas para a escola oficial compunham-se de comemorações relacionadas às “datas nacionais”, de rituais para hasteamento da bandeira nacional e hinos pátrios, além de uma série de outras festividades que foram englobadas sob o título de “cívicas”, compondo com as demais disciplinas o cotidiano escolar. Acompanhando o cuidado com que as autoridades educacionais organizaram e fiscalizaram tais práticas escolares e seguindo o conteúdo das denominadas “festas cívicas”, é possível verificar que o ensino de História não era conteúdo exclusivo da ação dos professores em sala de aula. Além da “história da pátria” ser tema preferencial de livros de leitura e das músicas escolares, havia outros recursos de comunicação, com rituais e símbolos construídos para a institucionalização de uma memória nacional. (BITTENCOURT, 2006, p.44).
Desde que a História se constituiu enquanto disciplina escolar, no Brasil, no século XIX, a questão da identidade nacional conferiu-lhe a missão de auxiliar o projeto nacionalista, primeiramente, levado a cabo pelo Estado Imperial e as elites que lhe davam sustentação, e, depois, pelo Estado republicano, com o suporte de outros grupos.
Pensando numa longa duração, podemos considerar a permanência, na História do Ensino de História, do modelo de produção do conhecimento histórico baseado no IHGB, e do seu modelo de transmissão, no Colégio Pedro II. Estes referenciais têm feito parte da consciência histórica, em uma determinada época, e ainda o fazem, especialmente do senso comum, perpassando a idéia de “ciência do passado”, “chata” e “cansativa”, pois obriga os alunos a decorarem os nomes e feitos dos “heróis nacionais” com suas respectivas datas, em aulas baseadas nos métodos da memorização mecânica e em avaliações tradicionais, nas quais os alunos devem repetir as respostas, oralmente ou por escrito, tais quais estão postas no livro didático. Na concepção de Stephanou (1998, p.16), com esse modelo de História factual, talvez os alunos não memorizem a médio/longo prazo os nomes, datas, feitos épicos e narrativas, entretanto, se consegue marcar, indelevelmente, a concepção de História dos educandos. Calissi (2004), fazendo uma historicização do livro didático no Brasil, desde os anos de 1930, percebe que a ruptura com esse projeto de História Política tradicional ocorreu no final do século XX, notadamente, no final dos anos de 1980, no contexto da chamada redemocratização brasileira, pós-regime militar.
Essas elaborações teóricas nos levam a problematizar essa longa duração. Por que a História Política tradicional, factual e linear, consciente e elitista, masculina e cristã, eurocêntrica e patriótica, tem permanecido nos currículos escolares?
Para efeito de análise, tentaremos vislumbrar algumas respostas no contexto histórico da chamada Era Vargas, levando em consideração o recorte temporal de nosso trabalho.
Nacionalismo e pensamento autoritário conjugam-se como a tônica desse período. Na visão de Abud (1998),
A concepção de realidade e de sociedade, que originava do nacionalismo e do anti-liberalismo, levava à responsabilização do Estado pela formação da nacionalidade e pela direção do povo. Este era considerado como “massa” que deveria ser orientada a seguir as elites, verdadeiro motor das transformações pelas quais o Brasil deveria passar para chegar ao desenvolvimento. (Grifos nossos).
O ensino de História estava, então, ideologicamente, a serviço do projeto de construção da identidade nacional, levado a efeito pelo Estado, em uma nova temporalidade. Daí os programas privilegiarem conteúdos tradicionais, com bastante ênfase na valorização da colonização portuguesa. Mas qual a relação existente entre o projeto nacionalista-autoritário varguista e o estudo dos “heróis” portugueses coloniais? A justificativa para o destaque dado à administração colonial portuguesa pode ser encontrada na idéia de continuidade histórica. O Estado Nacional Brasileiro, sob o comando de Getúlio Vargas, se colocava como continuador do projeto de construção da nação brasileira rumo ao “progresso” e ao “desenvolvimento”, cujas origens podem ser encontradas na colonização, pois teriam os portugueses propiciado a unidade territorial dessa nação “predestinada”. (ABUD, 1998).
Dessa forma, infere-se que o ensino de História, nesse período, vinculava-se à necessidade de formar o cidadão ideal para “ajudar” o Estado centralizado e as elites nessa missão teleológica. Um dos objetivos desse ensino era, justamente, construir o sentimento de brasilidade, neutralizando o poder das oligarquias regionais, sentimento esse, formado a partir da unidade territorial-administrativa e cultural.
Devemos destacar, portanto, que a apropriação que se faz dos passados, pelo presente histórico, deve ser entendida no bojo dos jogos de interesses e questões do referido presente. As escolhas das “datas nacionais” a serem comemoradas, e os “heróis” da “fundação da nação” a serem lembrados, dependem de como possam legitimar o regime político vigente. Um exemplo disso são as tradições inventadas pelos intelectuais republicanos no início do regime, que buscavam, no passado colonial, eventos e “heróis” republicanos como forma de construir, no imaginário, a idéia de nação predestinadamente republicana, onde “a monarquia deveria ser entendida como uma anomalia que se fez necessário apenas temporária e circunstancialmente na história nacional”. (BITTENCOURT, 1990, p. 177).
Os intelectuais republicanos que colocavam a “independência” como marco inaugural da “nação brasileira”, secundarizavam o papel de D. Pedro I. Rocha Pombo, por exemplo, atribuiu o papel de “fundador da Pátria” a José Bonifácio. (BITTENCOURT, 1990, p. 178). Afrânio Peixoto, ao se referir à Casa de Bragança, dá ênfase a D. João, enquanto Osório Duque Estrada coloca D. Pedro I no rol dos “homens ilustres que criaram a nação”, entretanto, seu nome aparece nos livros didáticos apenas em uma nota de rodapé. (BITTENCOURT, 1990, p. 179).
Durante a Era Vargas, ocorreram duas reformas educacionais, a primeira em 1931, com Francisco de Campos no Ministério da Educação e Saúde, e a segunda, em 1942, sob a gestão de Gustavo Capanema. O ponto central dessas reformas consistia nas articulações entre a educação e a nacionalização, de forma a centralizar os programas de ensino. Entretanto, em que pese a força oficial do projeto de reformas, existia um contra-discurso, demonstrando a natureza conflituosa do referido projeto. Como exemplo, podemos lembrar as críticas feitas pelo grupo do Manifesto dos Pioneiros de 1932, liderado por Fernando de Azevedo, que assumia postura contrária às medidas centralizadoras da reforma de 1931 e defendia um modelo educacional mais regionalizado, com base nos pressupostos da escola estadunidense.
A pretensão homogeneizante da educação, nos anos 1930/40, visava, mais do que nunca, permitir a ocultação das divisões sociais e das diferenças, de um modo geral, inculcando nas “massas” a idéia de serem dirigidas pelas elites, assim como a valorização da “democracia racial” e um combate àquilo que era considerado divisionismo: os regionalismos e a luta de classes.
Com o Estado Nacional Brasileiro no pós-1930, a centralização não se dá apenas no âmbito político e socioeconômico, mas também no cultural. No setor educacional, a criação do Ministério da Educação é a maior evidência do centralismo estatal no ensino. Os programas e orientações metodológicas são pensados por comissões de intelectuais ligados ao aparelho estatal e enviados de cima para baixo, para as escolas, públicas e privadas, de todo o Brasil. (ABUD, 1998, p.3).
A partir de 1937, com a decretação do Estado Novo, o nacionalismo autoritário ganharia maior vigor. Almeida (1998) reconhece, no paradigma pedagógico do Estado Novo, uma trilogia fascista: religião, pátria e família. O discurso oficial utilizaria, com bastante veemência, o conceito de “ordem” para se contrapor ao de “desordem”, o primeiro, identificado com os pressupostos ideológicos do regime político vigente, enquanto o segundo, era representado como enfeixando as ideologias opostas aos cânones do nacionalismo e do catolicismo.
A instituição escolar atuava como aparelho ideológico, reproduzindo o modelo de sociedade desigual, de nacionalismo e de autoritarismo, como “bom” e “desejável”. O papel da educação, nesse sentido, era notado pelo Departamento de Educação, por meio das palavras de Nilo Pereira: “o sucesso de nosso regime depende do systema de educação imposto e controlado pelo Estado. Fora dahi, seria perder tempo, palavras e dinheiro.” (ALMEIDA, 1998). A educação, como “solução” dos problemas nacionais, já estava posta na Primeira República, mas no contexto do liberalismo de influência francesa. Com o Estado Novo, a continuidade da idéia reveste-se de uma outra fundamentação, e ocorre em um outro contexto histórico. Os princípios rousseaunianos da Primeira República são substituídos, no âmbito do discurso oficial, pelas idéias autoritárias do nazifascismo.
Em 1934, o Ministro da Ciência, Educação e Formação do Povo, da Alemanha, formulou o paradigma pedagógico nazista, pautado, dentre outros, pelos seguintes princípios: a) alimentar o imaginário de repulsa aos regimes democráticos e parlamentares; b) veicular valores contra o ideário comunista e sindicalista; c) disseminar a ideologia racista; d) instrumentalizar o anti-semitismo; e) reinterpretar a história alemã, cultuando os heróis nacionais; f) exacerbar o nacionalismo; e, g) apresentar o nacional- socialismo como único regime capaz de extinguir a luta de classes (paz entre operário e patrão). (ALMEIDA, 1998).
Na Itália, a reforma empreendida pelo ministro Giovanni Gentile (1932) definia, ainda, a obrigatoriedade do ensino católico nas escolas, como forma de disseminar a “religião da nação”, e exigia a fidelidade dos professores ao regime fascista.
Como já fizemos notar em outros momentos desse texto, a educação, durante a Era Vargas, se enquadrava no discurso da nacionalidade. Alguns elementos, parte integrante do cotidiano e das práticas educacionais, seguiam os princípios nazi-fascistas. Por exemplo: o uso da imagem como formadora de opinião e o emprego de mensagens claras dando importância ao uso da palavra para que a doutrinação se fizesse por meio da persuasão.
Esse processo não era homogêneo nem transcorria sem conflitos. Havia resistência e punição a quem se colocava contra a “ordem”. Eram os “desordeiros”, os “inimigos da ordem”, conceitos afinados na “ponta da língua” da Igreja, da escola, da imprensa, etc, que deveriam ser repetidos cotidianamente, perante os sujeitos que participavam das atividades desses aparelhos ideológicos de hegemonia.
No caso da educação escolar, merecem destaque as premiações concedidas pelo Estado aos professores da “ordem” e, ao mesmo tempo, as punições impostas aos que se mostrassem “desordeiros”, seja sob a forma de exoneração ou de aposentadorias forçadas. (ALMEIDA, 1998).
O livro didático, nesse particular, passou por controle absoluto do Estado, havendo forte censura a fim de evitar o “perigo da infiltração vermelha nas obras educacionais da infância” e de não se colocar, nas mãos das crianças, a “arma branca dos bolcheviques.”
O Estado forte cada vez, mais pautava suas ações pelo intervencionismo, de tal forma que criava políticas culturais imprescindíveis à legitimação ideológica do regime vigente. Embora não seja o foco central de nosso trabalho, essas políticas culturais se constituem de grande importância para a reflexão sobre a nossa temática.
O trabalho de Cury (2003) é valioso para compreendermos as vinculações envolvendo educação/cultura e nacionalismos no Brasil, em três temporalidades históricas diferentes. Com relação ao período que nos interessa nesse trabalho, a historiadora discorre sobre o papel dos intelectuais na configuração da brasilidade. Referindo-se aos anos trinta, a autora coloca que
Os discursos, interpretações e imagens produzidas durante a Era Vargas sobre identidade e memória nacional no interior do projeto de invenção da nação ou, como preferiam alguns, (re)invenção, encontram-se os intelectuais que ocupavam cargos de direção, no âmbito cultural. É neste contexto histórico que os dirigentes políticos formulam, pela primeira vez no Brasil (sob regime republicano), as chamadas políticas culturais, numa perspectiva preservacionista, “criando/inventando” nosso patrimônio histórico. Podemos dizer que dois segmentos da sociedade estavam envolvidos diretamente com esta temática. De um lado, vários grupos de intelectuais e, de outro, o estado varguista, não necessariamente em pólos opostos e, muitas vezes, como parceiros neste projeto.
Um órgão bastante emblemático, do ponto de vista da política de construção da brasilidade, foi o SPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), surgido, em 1937, pelas mãos do modernista Mário de Andrade, incumbindo-se de proteger os monumentos e obras de arte nacionais.
Além dessa iniciativa, outras vieram, conjugando-se ao projeto de identidade nacional estadonovista, a exemplo do Instituto Nacional do Livro, do Instituto Nacional de Cinema Educativo, do Serviço Nacional do Teatro, e do Serviço de Radiodifusão Educativa, além do apoio direto a projetos de caráter individual, como o de Portinari e o de Villa-Lobos. (CURY, 2003)
Com relação à radiofonia educativa, Dângelo (1998) analisa a utilização do rádio e do cinema educativos, entre os anos 1920 e 1940, de grande relevância na visão do Estado, na transmissão do ensino da História da Pátria. O rádio cumpria a missão de veicular a propaganda ideológica do Estado Novo, de legitimar esse Estado como o que estava conduzindo a nação brasileira ao “progresso”, legitimidade feita em simbiose com um certo passado histórico apropriado.
Ensinar História pelo rádio tinha a vantagem de transmitir os símbolos, “heróis”, acontecimentos e comemorações nacionais em outros espaços de sociabilidade, que não apenas a sala de aula. As ondas do rádio, massificadas, atingiam em cheio o cotidiano doméstico, reforçando o ideário de brasilidade.
Ficando em casa, os ouvintes, atingidos nacionalmente por uma rede de rádio, juntar-se-iam a essa multidão, recebendo impressões irradiadas das ruas e dos estádios, em comemorações cívicas preparadas para saudar os mitos fundadores da nação, os heróis que realizaram os anseios de liberdade em nome do povo, o 07 de setembro, o 15 de novembro, o 19 de novembro, o 13 de maio e o 1º de maio. Ocorre, portanto, uma articulação dessas celebrações pelo rádio educativo ao ensino de História, bem como à organização dos dispositivos de censura e produção de manifestações cívicas nos anos 30 e 40. (DÂNGELO, 1998).
O autor coloca que a dramatização era a forma mais utilizada na transmissão da história da pátria pelo rádio. O papel do professor era diminuto, pois,
A este restaria atrair os alunos para a História com o uso de livros didáticos, mapas e quadros intuitivos devidamente preparados e indicados para a absorção dos mitos, heróis e valores nacionais e aos conferencistas do rádio caberia a criação das cenas, induzindo os alunos ao local e época narrados, conferindo ao técnico a atribuição das montagens e efeitos apropriados. (DÂNGELO, 1998)
Diante do exposto, podemos perceber o quanto o nacionalismo era a tônica da Era Vargas. Sendo dessa forma, João Pessoa passa à condição de “herói” nacional como uma construção histórica da Aliança Liberal. A documentação que analisamos, é enfática em mostrar a imagem de João Pessoa como “vulto da pátria”, como “herói” da História nacional. Senão, vejamos:
(...)Seus passos ficaram marcados na história nacional e só a lembrança do seu nome equivale a um depoimento justificativo da sua superioridade. (...) É que esse homem foi um assombro da pureza republicana, tendo pela Pátria um culto inverossimilhante alto e absorvente. Foi por ele que os olhares do Brasil se fixaram na Paraíba, tornada, então, barreira aos desmandos de uma época mais do que calamitosa para o país. (Jornal A União, 26 jul. 1944, grifos nossos).
Esse trecho é bastante relevante no tocante à inserção de um mito que veio reafirmar a identidade de um povo bravo e resistente, o paraibano, mas no contexto do Estado Nacional centralizado. Essa era a visão de mundo do grupo da Aliança Liberal na Paraíba, que buscava articular-se ao quadro político nacional. Por outro lado, tudo que o varguismo queria, era evitar os regionalismos em favor do nacionalismo, daí, parece que a solução encontrada para a questão de alguns mitos regionais, era cultuá-los como “heróis da Pátria”. Assim também ocorreu, na mesma época, com o mito dos bandeirantes, de modo que o “passado bandeirístico legitimava ainda a dominação paulista frente ao Brasil, porque havia sido o bandeirante quem dilatara a pátria, implantando uma conduta disciplinadora pela ação guerreira e mística”. (BITTENCOURT, 1990, p. 187). Mas, desta feita, o bandeirante aparece nitidamente como “herói da Pátria”.
Outra questão interessante, na citação acima, é a utilização da memória mitificada de João Pessoa como forma de legitimar o regime republicano, sobretudo, da segunda república. A documentação que trabalhamos, é rica em afirmações que buscam uma linearidade de “heróis” que sempre lutaram pela república, desde os tempos coloniais até o presidente João Pessoa. Reiterar a paraibanidade, heróica e republicana, estava sempre na ordem do dia, como podemos perceber a seguir:
João Pessôa, pelo cunho excepcional das circunstâncias que lhe cercaram a ação e o sacrifício e pelo sentido grandioso e profundo da sua atitude perante a história política do Brasil, avançou sôbre o futuro. Antecipou-se á consagração da posteridade. Póde-se dizer que, na mesma hora em que êle tombou, fez-se em torno do seu nome êsse halo de imortalidade e de glória que circunda um Tiradentes, um Miguelinho, um Frei Caneca. Um dêsses símbolos impressionantes e eternos do idealismo e da bravura do homem consubstanciado numa causa libertária e generosa. (Jornal A União, 26 jul. 1938, grifos nossos).
Pelo visto, o discurso acima enunciado, tem uma conotação bastante predestinada, João Pessoa parece escrever o futuro, à luz de mitos do passado.
Fazendo uso da epígrafe com que abrimos esse ponto de nosso trabalho, não podemos pensar nas festas cívicas sem as remetermos para a sua função pedagógica. A historiadora Souza (1999, p. 235), analisando as festas cívicas, no contexto da transição do Brasil colonial para o Império, alude ao fato de que “essa festa de intenso teor político precisava dizer algo, dirigir-se ao povo, enviando-lhe uma mensagem sobre o assunto da separação entre Brasil e Portugal”. E afirma que “este gênero de festa tinha horror ao nada dizer ou conseguir comunicar, ao vazio, ao silêncio dos espectadores ou a sua recusa em participar” (SOUZA, 1999, p. 235). Tais comemorações, portanto, objetivavam, no caso citado pela autora e, com a participação da população, a consolidação do processo de adesão à figura de D. Pedro I.
A pedagogia das festas comemorativas da memória de João Pessoa, como o “herói da Revolução de 1930”, também tinha uma mensagem a passar, como forma de dar legitimidade ao Estado Nacional varguista e seus representantes no controle do aparelho de estado paraibano. Colar na imagem mítica de João Pessoa tinha por finalidade justificar os governos que foram se sucedendo de 1930 a 1945. Com o artigo escrito por José Fernandes de Luna, para o Jornal A União, podemos exemplificar a questão:
Não é necessário ser muito perspicaz para reconhecer o traço de semelhança que há entre o nosso atual interventor e o presidente João Pessôa. Como êste, Ruy Carneiro experimentou anos de lutas e sacrifícios até alcançar a posição de relêvo que hoje desfruta. Desde os dias agitados da campanha redentora de 1930, esse jovem governante tem pautado as suas ações pelos princípios sadios e humanitários do Grande Presidente. Como êle, ainda, Ruy Carneiro e o seu povo fortalecem a coluna altiva da Democracia Brasileira, lutando pela União Nacional em tôrno de Getúlio Vargas, para que o Brasil progrida num ambiente de tranqüilidade e mútua compreensão. (Jornal A União, 26 jul. 1944, capa, grifos nossos).
Nessa citação, vemos o caso do estabelecimento da continuidade histórica entre Ruy Carneiro e João Pessoa, mas a documentação oficial é farta dessas bricolagens presente-passado com os outros interventores/governador, a saber: José Américo (1930), Antenor Navarro (1930-1932), Gratuliano de Brito (1932-1934), Argemiro de Figueiredo (1935-1940) e o próprio Ruy Carneiro (1940-1945). Outra questão perceptível na referida citação é a reprodução, nos estados, do projeto político-ideológico do Estado Nacional. Os interventores serão coadjuvantes na reiteração do nacionalismo autoritário, sobretudo, a partir de 1937, com o golpe do Estado Novo. Em resumo: a cada ano que se celebrava o aniversário de morte de João Pessoa, havia a legitimação do governo paraibano e da ideologia do Estado Nacional varguista.
Festejava-se por toda parte, do recinto de várias instituições à praça pública. Esta se torna lugar privilegiado para as comemorações cívicas, uma vez que “educa” as pessoas que não freqüentavam as escolas, misturando, num espaço único, uma diversidade de sujeitos: alunos, famílias, autoridades e a população, de um modo geral. Constitui-se um método educacional de vasto alcance e preenche as expectativas dos organizadores das festas.
AS PRÁTICAS COMEMORATIVAS SOBRE JOÃO PESSOA
Falar em organizadores das festas suscita entrarmos na discussão das outras questões propostas anteriormente: as práticas constitutivas das comemorações e o papel das instituições em tais festejos, sobretudo, a instituição escolar.
Pelo que pudemos apurar, a sistematização das festas cívicas do 26 de julho, na Paraíba, estava a cabo do Centro Cívico “João Pessoa” e do Estado, como instituições diferentes, porém, compostas, basicamente, pelas mesmas pessoas.
Nossa leitura conceitual de Estado, nessa análise, fundamenta-se na teoria do marxista italiano Antonio Gramsci. Partindo da noção de Estado Ampliado, Gramsci entende o Estado abrangendo tanto o aparelho repressivo (sociedade política) quanto os aparelhos ideológicos (sociedade civil), sendo que, ambos, de uma forma ou de outra, cumprem a missão de produzir e reproduzir a hegemonia.
É o que podemos ver no pós-1930, na Paraíba, com a devida cautela nos usos dos conceitos. Tanto a sociedade política quanto a sociedade civil estavam mobilizadas para manter a hegemonia do bloco histórico vitorioso após a “Revolução de 1930”. No caso das festas cívicas do 26 de julho, a sociedade civil participa de forma atuante, destacando-se, na organização das comemorações. Dentre suas instituições, podemos apontar: o Centro Espírita “Tomaz de Aquino”; as escolas (Escola de Aprendizes Artífices, Academia de Comércio “Epitácio Pessoa”, Liceu Paraibano, Colégio Diocesano, Instituto Comercial “João Pessoa”, apenas para citar as mais importantes); a Associação Paraibana de Imprensa; a Rádio Tabajara; a Rádio Club da Parahyba; o Jornal A União; a Igreja Católica; os sindicatos e associações (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Cimento, Cal e Gesso, Centro Beneficiente Paraibano, Centro Proletário “Alberto de Brito”, Liga Beneficiente Operária, União Beneficiente do Trabalhador, Aliança Proletária Beneficiente, Sociedade Literária Ruy Barbosa); entidades de Cultura e Desporto (Sport Club “João Pessôa”, Liga Suburbana de Desporto, orfeões, bandas de músicas,etc).
Todos essas instituições, além de participarem das festas na praça pública, também realizavam sessões cívicas no interior de seus recintos. Fazia-se questão de noticiar o ato cívico, pelas páginas oficiais do Jornal A União.
No primeiro ano após a morte de João Pessoa, as comemorações tiveram uma dimensão de largas proporções, certamente porque ainda era bastante recente o fato. Houve programação por uma semana inteira, cada dia reservado a um determinado setor da sociedade. (QUADRO I)
QUADRO I
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PROGRAMAÇAO DA SEMANA DE JOÃO PESSOA (1931)
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DIA INSTITUIÇÃO ATIVIDADE
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19/07/1931 Estudantes e Professores 8h - Partirá do Palácio passeata cívica com o retrato de João Pessoa conduzido pelo interventor Antenor Navarro, a fim de fazer a aposição no Altar da Pátria, em frente à Escola Normal.
9h - Comunidade de professores e estudantes receberá o retrato e fará a aposição. Salva pela bateria de montanha. Uma companhia do 22º BC prestará guarda de honra com a escola de música cantando o hino de João Pessoa e o Nacional.
10 às 14 h- Inaugurações oficiais e placa comemorativa.
15h - Reunião na Praça do Carmo sob a direção do professorado. Todos os alunos de todos os estabelecimentos de ensino.
15:30 h- Partirá da praça a grande passeata cívica de estudantes e professores para desfilarem de frente ao Altar da Pátria. Todos formarão para homenagear João Pessoa, onde falará um representante dos estudantes e outro da comissão organizadora. A banda de música cantará o hino de João Pessoa e a banda de música da polícia tocará o Nacional. Durante todo dia, velará o Altar estudantes e professore.
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20/07/1931 Operários e Trabalhadores 6h - Salva de vinte e um tiros.
6 às 12 h- Inaugurações oficiais.
14h - Inauguração do marco da pedra tosca com inscrição alusiva e também da Praça do Trabalho.
15h - Organização do Préstito cívico
16h - Partida do préstito da Praça do Trabalho a fim de desfilar sobre o Altar da Pátria. Discursos e hinos.
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21/07/1931 Classes Armadas 6h - Içamento da bandeira nos quartéis.
6 às 13 h- Inaugurações das placas da classes.
14h- partida dos quartéis a fim de formarem na rua General Osório de onde desfilará às 16 horas em direção ao Altar da Pátria, onde deve estar o estado maior das forças. Discursos e hinos.
22/07/1930 Mulher Paraibana 8h - Missa na Catedral por almas dos soldados mortos na revolta de Princesa.
8 às 14 h- Inaugurações oficiais, inclusive a de uma cruz na área nova do cemitério, na base da qual será colocada uma pedra, oferta da mulher paraibana em homenagem aos soldados de Princesa.
15h - reunião de mulheres no Parque Sólon de Lucena.
16h - Partida em direção ao Altar da Pátria. Discursos e Hinos.
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23/07/1931 Comércio 6 às 13 h- Inaugurações oficiais.
14h Sessão magna na Associação Comercial e inauguração de uma placa de bronze em uma das colunas da fachada principal do prédio.
16h - Partida do préstito cívico da Associação Comercial com destino ao desfile de fronte ao Altar da Pátria. Discursos e Hinos.
24/07/1931 Funcionalismo Público Até às 13h - Inaugurações oficiais.
14h - Colocação de uma placa no prédio da Empresa de Correios e Telégrafos.
15h - Reunião das classes na Praça Pedro Américo.
16h - Partida em direção ao desfile de fronte ao Altar da Pátria. Discursos e Hinos.
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25/07/1931 Clero e Associações de Caridade 7h - Missa realizada na cadeia pública.
Após a missa, uma comunidade de mulheres colocará no peito dos detentos uma pequena bandeira do “Nego” com o retrato de João Pessoa.
Até 14 h - Inaugurações oficiais.
15h - Reunião em frente a Catedral.
16h - Partida das “classes dos pobres” acompanhando o clero e associados da UMC em direção ao Altar da Pátria. Discursos e Hinos.
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26/07/1931 8h - Inauguração do Hospital de Isolamento.
10h - Inauguração do pavilhão do Chá.
14 h - Reunião de todo povo na Praça da Independência em frente a casa que morou João Pessoa. Na ocasião falou o padre Matias Freire. Desfile das bandas de música e corporações militares até a Praça João Pessoa onde às 17:23 h, tocará por trinta segundos sirene de A União, anunciando a hora em que morreu o presidente, afim de se guardar um minuto de silêncio. Hinos. Fala o interventor Antenor Navarro. Hino Nacional.
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Fonte: Jornal A União, 18 jul.1931, grifos nossos. Quadro elaborado pelo autor. Os erros vernaculares foram mantidos tais como constam no documento, pois, ao elaborarmos o quadro, mantivemos a programação tal qual está na fonte. Preferimos esse procedimento para não inflacionar o texto de sic.
O quadro acima evidencia o quanto a festa tinha objetivos de construir uma coesão social. A praça pública tornou-se um espaço de pretensa unidade e, ao mesmo tempo, de segmentação. Isso porque o Estado, com o fim de tornar coletiva a memória de João Pessoa, e assim, buscar legitimar-se, procurava apoio nos diversos segmentos sociais. Interessante observarmos a teia de relações institucionais construída no momento de comemoração cívica do 26 de julho. Poderíamos resumir dessa forma: escola-Estado, sindicatos-Estado, militares-Estado, Associação Comercial-Estado, Funcionários públicos-Estado e Igreja Católica-Estado. Nessa teia de relações, havia espaços que funcionavam de forma simbólica. Como vimos no quadro acima, cada dia estava reservado à comemoração por parte de determinados setores da sociedade. Sendo assim, cada grupo social, ao realizar a romaria ao Altar da Pátria, partia de um espaço material e simbolicamente representativo de seu grupo e/ ou classe. Por exemplo: os estudantes, professores e diretores ficavam próximos ao Altar da Pátria, de fronte à Escola Normal, a fim de recepcionarem o interventor e sua comitiva oficial, que traziam a efígie de João Pessoa para colocá-la no referido altar. Os operários e trabalhadores, de um modo geral, partiam da Praça do Trabalho; as “classes armadas” tomavam como ponto de partida os quartéis; os comerciantes, por sua vez, saiam da Associação Comercial; o clero e Associações de Caridade reuniam-se na catedral; todos em direção ao Altar da Pátria, rumando ao encontro da efígie do mito João Pessoa e dos representantes do Estado que lá estavam.
Se o objetivo dos organizadores das festas era promover a coesão social em torno de um elemento congregador, o culto à memória de João Pessoa, por outro lado, podemos perceber nitidamente a segmentação social, demonstrada pela programação, cada qual no seu canto, em seu lugar institucional mas de acordo com uma “ordem”.
A maior demonstração dos usos político-ideológicos das festas cívicas do 26 de julho pode ser vista na idéia de continuidade histórica da obra de João Pessoa. Ao passo que se cultuava o mito, também se homenageava os governantes da época, como seguidores das práticas “modernas” de administração do presidente morto. No Jornal A União, podemos observar que, ao lado da fotografia de João Pessoa, estava o interventor federal que estivesse no cargo, na ocasião. Celebrava-se o morto e homenageava-se o vivo, aquele que podia realizar a “grande obra” do presidente João Pessoa. Também podemos ver, sobretudo nos primeiros anos das comemorações do 26 de julho, os governantes aproveitando o feriado mítico para inaugurações de obras, mais precisamente, aquelas que João Pessoa iniciara. Na semana de comemorações em 1931, no dia 26 de julho, o interventor Antenor Navarro inaugurou o Pavilhão do Chá e a Ponte do Mulungú, divulgou a continuidade da construção da obra do Hotel Parahyba e assinou o contrato para a construção do Porto de Cabedelo, todas as obras, apostas no periódico oficial como a continuação do programa de governo de João Pessoa.
As comemorações, porém, não se restringiam à Paraíba. Na capital federal, o Presidente da República, Getúlio Vargas, e comitiva faziam uma romaria ao cemitério São João Batista, cultuando a memória de João Pessoa, diante do monumento erguido em homenagem ao ex-presidente da Paraíba.
A partir de 1932, as festas eram realizadas apenas no dia 26 de julho, em diversas instituições, e em vários municípios paraibanos. A programação se iniciava com a “missa de réquiem”, seguida de uma romaria em direção ao Altar da Pátria.
Nesse ano, o 22º BC, símbolo da tomada do poder em 1930, quando os insurretos iniciaram o movimento na Paraíba, desfilou nas ruas do Rio de Janeiro entoando o hino de João Pessoa. Pelo que podemos analisar, tomando como contexto a rebelião paulista de 1932, a memória do ex-presidente paraibano era por demais utilizada como demonstração de apoio do Norte ao governo Vargas. De modo que, do ponto de vista simbólico, o desfile representava de que lado estava a Paraíba naquele conflito, o apoio a Vargas, que se fez, inclusive, no plano militar, quando o interventor Gratuliano de Brito enviou tropas da Polícia Militar da Paraíba a fim de combaterem os paulistas.
O Altar da Pátria se constituiu como lugar sagrado e cívico, santificando João Pessoa para legitimar seus herdeiros políticos no controle do aparelho de Estado paraibano. As pessoas adoravam o altar de João Pessoa, tal qual adoram, nas igrejas, o Santíssimo Sacramento.
Como podemos ver na fotografia abaixo (nº 14) tratava-se de uma construção imponente, iluminada, na qual, na base, se encontrava uma imensa efígie de João Pessoa. No centro, podemos ver a Bandeira do Nego, já no seu formato atual, como uma representação da Paraíba sobressaindo-se perante os demais estados que se encontram, ordenadamente, em placas, na torre do referido altar. É um símbolo do nacionalismo varguista, da pretensa união dos estados em torno do projeto desenvolvido por Getúlio, após o movimento de 1930, e a reestruturação do novo Estado nacional brasileiro.
Na frente do Altar, havia sempre uma cena de ritual de pessoas desfilando à sua frente, parando para reverenciarem a memória do ex-presidente. É um rito cívico, mas com características cristãs, uma vez que se assemelha à adoração do Santíssimo Sacramento, exposto no Altar.
Em 1933, devido à proximidade da inauguração do monumento a João Pessoa, o qual analisamos no segundo capítulo, a comemoração oficial ocorreu de forma mais simples, resumindo-se à tradicional “missa de réquiem”, romaria ao Altar da Pátria e discursos. De 1934 a 1945, após a celebração religiosa na catedral, a romaria tomava o rumo da Praça João Pessoa, comemorando ao pé do monumento do ex-presidente. “Cada cidadão permanecerá ao pé da estátua cerca de meia hora, em turmas previamente organizadas”, (Jornal A União, 23 jul. 1935, capa), sendo que havia inscrições, na sede do jornal oficial do governo, para quem se dispusesse a participar do ritual da guarda ao monumento.
No entanto, podemos registrar que, além de instituições (Centro Cívico “João Pessoa”, Associação Parahybana pelo Progresso Feminino, entre outras), constam nomes de famílias de destaque na sociedade paraibana, como, por exemplo, Samuel Hardman Norat, Augusto Santa Rosa, João de Castro Pinto, Severino Procópio, José Leal e o próprio Ademar Vidal, um dos intelectuais construtores da memória sobre João Pessoa.
Após esse breve histórico, retomamos à questão da sociedade civil paraibana e à reprodução da ideologia dos grupos dominantes, utilizando as festas cívicas de forma pedagógica.
Vamos começar com a imprensa. A Rádio Tabajara, órgão estatal, criada em 1937, durante o governo Argemiro de Figueiredo, além de transmitir, ao vivo, toda a programação dos festejos do 26 de julho, na praça pública, dedicava um programa em homenagem a João Pessoa, intitulado “A Hora do Grande Presidente”. Em alguns municípios do interior, a transmissão de suas festividades era operada pela tradicional difusora local. Além do rádio, que se constituía como veículo de propaganda oficial, também atuavam os jornais, merecendo destaque o estatal A União e o jornal católico A Imprensa. Pelo que pudemos averiguar no trabalho de investigação que realizamos, sobretudo no primeiro, a partir do dia 23 de julho de cada ano, o periódico iniciava as notícias das comemorações, com convite do governo e do Centro Cívico e sinalizando com a programação. Passado o dia 26, continuava a divulgar matérias sobre o evento, inclusive, transcrevendo cópias de telegramas recebidos de demais municípios, comunicando sobre a realização de rituais cívicos. Nos primeiros anos, o Jornal A União ainda trazia, na primeira página, a foto do ex-presidente João Pessoa, de corpo inteiro.
Santana (1999, p. 246) realça o papel da imprensa no governo Argemiro de Figueiredo (1935-1940), melhorando o parque gráfico do Jornal A União, inaugurando a Rádio Tabajara e criando serviços radiofônicos nos municípios paraibanos, transmitindo sua palavra meia hora antes do programa “Voz do Brasil”. A autora ainda destaca trecho de um discurso de Argemiro, no qual enfatizava o papel educativo da referida emissora de rádio.
As religiões também se colocavam como aparelhos ideológicos, nesse particular. Além do Centro Espírita “Tomaz de Aquino”, que realizava sessão solene naquela instituição, era a religião Católica o grande baluarte das comemorações cívicas. Nesse momento, a instituição vinha em processo de reconciliação com o Estado, após a “separação” ocorrida legalmente com a Constituição de 1891. No início da Era Vargas, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, que defendia uma escola laica, pública, gratuita e nacional, verificou-se a oposição de setores católicos, como era de se esperar. Entretanto, no ministério de Capanema, Estado e Igreja Católica se reaproximaram. (BITTENCOURT, 1990, p. 24).
Poucas eram as solenidades que não começavam por uma missa pela alma de João Pessoa. O início da programação das festas na capital sempre se dava com a “missa de réquiem”, assim que amanhecia o dia 26 de julho. Na maioria delas, era o próprio arcebispo, o celebrante. Da catedral metropolitana, autoridades e população realizavam uma romaria em direção ao monumento do ex-presidente.
A preocupação com as classes trabalhadoras, por parte do governo, fica evidente no tocante à participação de associações e sindicatos na programação cívica do 26 de julho. Reproduzindo o que ocorria a nível nacional, o Estado se colocava como arbítro das questões envolvendo patrões e empregados, justamente para evitar a luta de classes. Igreja, Estado, escolas, meios de comunicação, etc, se encarregavam de difundir a propaganda anti-comunista e veicular como “ideal” os princípios totalitários circulantes no cenário internacional.
Em diversos municípios da Paraíba, no auge do argemirismo, foram implantadas Comissões Nacionais de Propaganda Sisthemática contra o Comunismo, das quais muitos membros eram professores, médicos, padres, jornalistas, advogados, dentre outros profissionais liberais. (SANTANA, 1999, p.238/239).
No primeiro ano da comemoração, o proletariado prestou homenagem à memória de João Pessoa, ao colocar, na Praça do Trabalho, um bloco de pedra pesando vinte e duas toneladas. Neste bloco, foram apostas uma coroa de louro e uma placa de bronze, cujos dizeres aludiam à homenagem dos trabalhadores paraibanos ao presidente morto. Houve uma solenidade, inclusive, com a participação do interventor, ao transportar-se o referido bloco da estação da “Great Western” para a citada praça.
Gurjão (1994) ressalta que as relações entre os trabalhadores operários e os dois primeiros interventores ocorreram, relativamente, de forma amistosa, tendo se alterado a partir de 1934/1935, durante o governo de Argemiro de Figueiredo. Para a autora:
(...) o culto à memória de João Pessoa de certa forma, unia a classe subalterna ao projeto político da interventoria. Acrescente-se o impacto das obras contra as secas e a decretação das leis trabalhistas como instrumentos de persuasão incutindo a imagem do Estado protetor. (GURJÃO, 1994, p.150)
Logo após o movimento de outubro de 1930, a interventoria promoveu um Congresso Operário, cuja abertura foi solenemente revestida de uma homenagem à memória de João Pessoa. O Jornal A União (9 nov. 1930) assim se reporta àquele momento:
Instalação onte-ontem no Teatro Santa Rosa do Congresso Proletário, na ocasião o retrato de João Pessoa envolvido com os pavilhões da República e da Paraíba, occupava no recinto o logar de maior destaque. O senhor Fiúza Lima, que presidiu a sessão, pediu que todos permanecessem de pé, por um minuto, em silêncio como homenagem ao grande e inolvidável estadista sacrificado pela inveja e pelo ódio dos poderosos de então e ainda como reverência a memória dos proletários mortos na Revolução.
Fazemos coro com Gurjão (1994, p. 117), ao demonstrar o quanto a memória de João Pessoa era utilizada, ideologicamente, como forma de unir a classe subalterna ao projeto político do bloco dirigente. A legislação trabalhista se encarregara de consolidar a cooptação do operariado. Quanto aos trabalhadores do campo, as “obras contra as seca” funcionavam de modo a expressar a imagem paternalista do Estado e construir a imagem de Vargas e José Américo como “pais dos pobres”.
Pelo visto, e pesquisado, sempre as classes trabalhadoras participavam da festa oficial. Em 1937, na efervescência da repressão e às vésperas do golpe do Estado Novo, o Centro Beneficiente Paraibano se fizera representar nas comemorações, por intermédio de um discurso de Lourenço da Graça, orando como representante do operariado. Repetiu a participação nos anos de 1938 a 1943, até onde pudemos apurar. Assim, parece procedente a afirmativa de Gurjão (1994, p. 169), ao assegurar que
(...) dirigentes de entidades operárias, a partir de então (período da repressão argemirista), sempre aparecem nas cerimônias oficiais, ao lado das autoridades, cooptados, portanto, pelo regime, fornecendo a impressão de que ele contava com o respaldo popular. Complementando o trabalho ideológico, constantemente eram realizadas conferências nas escolas, nas associações operárias etc, como parte da intensa campanha cultural contra o bolchevismo. (Grifos nossos).
Exemplo mais significativo foi a participação do líder do Partido Comunista, na Paraíba, João Santa Cruz de Oliveira. Nas comemorações de 26 de julho de 1938, às 18 horas, fechavam a solenidade oficial, na Praça João Pessoa, os discursos de João de Deus Mindêllo, Luis Pinto e João Santa Cruz de Oliveira. Estava o comunista participando da mesma festa organizada pelo interventor Argemiro de Figueiredo, três anos depois de ser preso por este, na chamada Intentona Comunista.
A arte também cumpriu seu papel nas festividades do mito João Pessoa. O cinema, por exemplo, ao mesmo tempo veio reafirmar com louvor a memória do ex-presidente. Nas comemorações de 1935, foi exibido, nos cinemas da capital, o filme “A vida pela liberdade”, película que documentava os acontecimentos vividos em 1930. O porta-voz oficial assim se reportava sobre a exibição;
A fim de exhibir num dos nossos cinemas o film “A Vida pela Liberdade” encontra-se nesta capital, vindo da Bahia, o Sr. Alcides de Souza. Essa pellicula, que docummenta os acontecimentos que encheram dias de agitação e de soffrimentos, vividos pela Parahyba, merece ser vista pela população pessoense, que venera a memória do seu Grande Presidente. (Jornal A União, 24 jul. 1935, capa)
No dia seguinte, o jornal oficial noticiava mais uma nota sobre os usos do cinema na socialização da memória histórica de João Pessoa. Anunciava que, no Cinema “Rio Branco”, por deliberação do seu diretor, Einar Svendsen, seriam projetadas as películas dos funerais de João Pessoa bem como das suas viagens aos estados de São Paulo e Minas Gerais, durante a campanha da Aliança Liberal. Em 1939, o filme dos funerais voltou a ser exibido, conforme divulga o periódico estatal.
Assinala Ozouf (1988, p.219) que
(...) as festas da Revolução são festas faladas, muito mais do que festas mostradas ou representadas (...) Acolhem intermináveis discursos, encarregados de precisar seu alcance histórico. São sempre cuidadosas em limitar o desvio da interpretação, confiando a uma guarnição de cartazes e bandeiras, nos seus cortejos, o sentido dos grupos que desfilam. (...) A decoração, pouco confiante em sua pedagogia tácita, necessita de palavras para estabelecer sua adequação à cerimônia. Sente-se que importa menos a essas festas renovar uma emoção do que fixar uma narrativa. (Grifos nossos).
Evidentemente que a autora está se referindo às festas de comemoração da Revolução Francesa. Isso não implica dizer que não possamos pensar o caso da “Revolução de 1930”, à luz desse referencial. Talvez possamos fazer um reparo à frase final da citação, no sentido de que se renovava a emoção social para fixar a narrativa.
Comemorar João Pessoa e a “revolução”, anualmente, no 26 de julho, passava por práticas festivas demasiadamente faladas. O poder da retórica se fazia operante no sentido do fazer crer. Em todos os espaços institucionais, desde a pregação do arcebispo, passando pelas preleções escolares e a festa na Praça, havia uma numerosa gama de discursos. No entanto, como fez notar Ozouf, as palavras não eram pronunciadas sem um acompanhamento decorativo, os símbolos e o embelezamento da festa funcionavam de forma a se juntarem ao poder das palavras, no sentido de fixar a narrativa e assegurar a compreensão da mensagem.
Pelo que podemos perceber, da documentação colimada, os custos financeiros das festas cívicas do 26 de julho não eram ônus apenas do aparelho de Estado. Havia contribuições de toda parte. Em 1931, por exemplo, os funcionários da Prefeitura da Capital, da alfândega, os operários da Pedreira Cobé, estavam na lista de “patrocinadores” da Semana de João Pessoa. Os grupos populares, quando não contribuíam diretamente com as festividades, empenhando determinadas quantias, acabavam arcando com os custos de uma consolidação da memória histórica, cujos objetivos eram legitimar um governo das elites. Isso porque havia uma mercantilização de símbolos, a fim de cobrir as despesas com a construção de lugares de memória. A título de exemplos, cabe-nos citar a venda do retrato de João Pessoa para ser utilizado nas lapelas, e de bandeirinhas do “Nego”, cujos recursos, em tese, destinavam-se à construção do arco do triunfo. Também com o mesmo destino, foram postos à venda 800 folhetos biográficos de João Pessoa, de autoria do Dr. José Euclides.
O Jornal A União também traz as seguintes notas publicitárias: “A manteiga ‘JOÃO PESSOA’ encontra-se á venda em toda parte”; (A União, 28 jul. 1932, p.8) “Comer só manteiga ‘JOÃO PESSOA’ é ter amor á saúde;” (Jornal A União, 28 jul. 1932, p. 12) “Addicione todas as manhãs ao café, um pouco de manteiga ‘JOÃO PESSOA’ e verão que bebida deliciosa.” (Jornal A União, 28 jul. 1932, p. 10) Deduzimos, pois, que devia se tratar de um pequeno negócio privado, mas que se apropriou da marca simbólica de poder preponderante naquele momento. Devem os liberais tê-la consumido demasiadamente!
O livro “Do Grande Presidente”, de Ademar Vidal, editado pela Gráfica Oficial, foi posto no mercado com o faturamento destinado ao Orfanato D. Ulrico.
ESCOLA, FESTA CÍVICA, COMEMORAÇÃO
Com relação às escolas, assim como Gramsci resultou, as consideramos aparelhos ideológicos por excelência. No livro Os Intelectuais e a Organização da Cultura, o autor apresenta a tese central, definindo os intelectuais como um grupo social autônomo, com uma função social de porta-vozes dos grupos ligados ao mundo da produção.
O estudo da escola em Gramsci (1989, p. 15) não está separado do conjunto de seu pensamento. A instituição escolar era entendida como um "aparelho privado de hegemonia". A compreensão gramsciana de escola é de que esta estava direcionada para a construção de uma nova moral e uma nova cultura da classe subalterna, de modo a assegurar maior hegemonia sobre as demais classes e, conseqüentemente, na perspectiva da conquista do Estado. Por isso, entendia ser necessário romper com a subordinação intelectual e ideológica das classes subalternas, que se tornavam aliadas da cultura dominante ao reproduzirem sua ideologia. Ora, isso ocorria porque as concepções de mundo dos subalternos eram fragmentárias, assistemáticas e desorganizadas, constituindo o que se denomina de senso comum, produzido a partir da experiência cotidiana desses segmentos, que enfrentam conhecimentos ou saberes organizados e sistematizados dos grupos hegemônicos, de que é exemplo a memória de João Pessoa.
Rompido com o modelo do marxismo soviético da II Internacional, Gramsci não se prende ao determinismo econômico e vai trabalhar no campo da cultura, trazendo, nessa esteira, a discussão sobre os intelectuais e o papel da escola na construção da hegemonia e da contra-hegemonia.
À luz desse referencial, podemos pensar o papel das instituições escolares na disseminação da ideologia do Estado que se estrutura após 1930. A escola, sem dúvida, será um aparelho privado de hegemonia de grande força no tocante à socialização da memória de João Pessoa, de modo a legitimar a ordem e as diferenças sociais em nome de uma pretensa coesão social. Sobre o papel que as escolas paraibanas desempenharam na socialização da memória da “Revolução de 1930”, falamos a seguir.
Por meio do Jornal A União, o Diretor do Departamento de Educação do Estado da Paraíba divulgava nota convidando os diretores dos grupos escolares e regentes de escolas para participarem de reuniões, em seu gabinete, a fim de traçar o programa das comemorações do 26 de julho. Também convidava as escolas, públicas e privadas, a participarem dos festejos. A programação variava, desde conferências, teatro, palestras, sessões cívicas, realizada nas próprias instituições escolares, até a participação dessas últimas na festa oficial da praça pública. A título de programação interna de uma escola, vejamos um exemplo do município de Sapé, governado, à época, pelo prefeito Osvaldo Pessoa, irmão do ex-presidente homenageado:
1º- Hino a João Pessoa
2º- Discurso da Professora Maria das Dores Silveira
3º- Conferência com o Sr. Alzir Pimentel
4º- Saudação a João Pessoa- José Pinto
5º- Que será- Violeta Dalva
6º- A Pátria- Por um grupo de alunos
7º- O Credo- Bejanita Melo
8º- Saudação à Bandeira- Rosilda Freitas
9º- Herói- Arnóbio Cavalcanti
10º- Hino Nacional
(Jornal A União, 30 jul. 1942, p. 5)
Interessante notarmos que a comemoração se iniciava com o Hino de João Pessoa e se encerrava com o Hino Nacional. Homenageava-se o “herói”, mas, por outro lado, não se deixava por menos o culto à Pátria. A partir de 1937, com o Estado Novo, os símbolos estaduais foram proibidos de serem ostentados, de tal forma que, nas festas cívicas do 26 de julho, havia a sobrevalorização da Bandeira e do Hino Nacional, com vistas a aguçar o sentimento de brasilidade, de união nacional.
Entrevistando a professora Maura Tavares, do município de São João do Cariri, pudemos perceber outro método utilizado para comemorar o mito João Pessoa. Comenta a professora aposentada que
Sempre fazia, 26 de julho, sempre comemorava. Eu pelo menos fazia uma pecinha teatral dava aquela aula naquele dia e dali comentava com os alunos, um ia ser João Pessoa outro ia ser o fulano de tal Dantas, tou esquecida, outros ficavam ali como se estivesse num barzim, eu sei que enfrentava uma pecinha (...) e fazia (...). Comemorava essa data sempre (...) que era uma data cívica também como o sete de setembro como o dia de Tiradentes porque ele foi um herói que morreu pela Paraíba. Não devia ter matado, mas infelizmente no nosso país é assim.
Ainda no que diz respeito a metodologias utilizadas nas escolas, com a finalidade de comemorarem o feriado do 26 de julho, e reiterarem a memória de João Pessoa, o governo legislava, obrigando a realização de preleções nos estabelecimentos de ensino, objetivando “ressaltar as atitudes patrióticas do Grande Paraibano.” (Jornal A União, 25 jul. 1942, p. 6). Legislava, ainda, no sentido de criar recursos didáticos, a exemplo do retrato do presidente morto, considerado, desde 1930, material didático para às aulas de educação moral e cívica (Jornal A União, 8 out. 1930) e deliberando sobre a publicação de um livro didático destinado às escolas públicas, dele constando relato biográfico sobre João Pessoa. (Jornal A União, 14 nov. 1930).
O Jornal A União publicou uma exposição feita pela professora Ezilda Milanez Dantas aos alunos do Grupo Escolar “Álvaro Machado”, em Areia, por demais ilustrativa da socialização da memória oficial da “Revolução de 30”, na escola primária. O que vemos, a seguir, é um direcionamento metodológico para a reprodução da ideologia/história oficial, senão vejamos:
Hoje é feriado nacional... e tive o prazer de ser a escolhida para vos falar sôbre essa data. Quereis que vos faça um discurso ou vos conte uma história?
ALUNOS: queremos uma história...
Bem comumente as histórias dos meninos, começam por “Era uma vez...”
E, não querendo me afastar disso, começo do mesmo modo. Prestem bem atenção!... é uma história simples, porém repleta de grandes e belos exemplos e heróicos desenlaces!...
ERA UMA VEZ... um pequeno menino muito estudioso, inteligente e bom...
Era pobrezinho e estudava com muito sacrifício.
Nunca soubbe o que era felicidade, se a sua infância foi sem alegrias, a sua juventude foi rude e amarga!... mas êlle não desanimou, sempre forte, sempre a enfrentar as dificuldades que lhes surgira. (sic)
E assim foi indo dia a dia, ora dormindo ao relento aos embates das ondas, ora doente ao abandono, sem o carinho de um coração amigo, até que arrumado um emprego conseguiu mais tarde tornar-se doutor.
Agora formado ei-lo a fazer jus a ótimos empregos.
Conseguiu, portanto vencer na vida!...
O sofrimento da sua infância e as grandes dificuldades com que se viu a braços na sua juventude, foi o bastante para dotal-o de um caracter firme e sem mácula e de uma força moral que bem poucos têm conseguido possuir nos grandes momentos precisos!...
Agora tudo lhe sorria: via-se cercado de uma esposa dedicada e de seus filhinhos que o veneravam; não lhe faltando amigos e... tudo enfim, que pode satisfazer um espírito que não fosse o seu, pois não era egoísta.
Se já havia vencido uma vez, podia por-se a campo novamente, auxiliando e dando um exemplo aos demais homens, e, vencer uma segunda, uma terceira vez.
Então meus caros alunos, o menino de nossa história, agora homem feito, forte, sincero, destemido, apanhou-se para uma nova luta.
E abandonando o lar felis, os amigos, as honras e todas as comodidades de que gosava, arrojou-se a sua nova empresa. ERA UM NOVO BANDEIRANTE que ia surgir!...
Porém muito mais intrépido do que aqueles que haviam explorados os nossos sertões, incógnitos, porque a sua bandeira compunha-se exclusivamente de sua pessôa e trazendo apenas como armas, a sua força moral e o seu critério.
A sua bandeira não vinha em busca de escarvisar (sic) índios, nem caçar pedras preciosas; o seu ideal era outro!...
Para campo dos seus trabalhos, não procurou os grandes centros populosos mas a sua terra natal, uma TERRA PEQUENINA E BOA. (Jornal A União, 26 jul. 1931, p. 19, grifos nossos)
O documento é muito rico para análise. Sugere um cotejo da versão construída pela professora de Areia com os dados biográficos sobre João Pessoa. As maiúsculas do texto também são muito sugestivas. Comparar João Pessoa a um bandeirante talvez não agradasse ao homenageado, que lutara contra a hegemonia paulista. Uma outra característica ressaltada é a configuração do “herói’ que luta sozinho.
A professora continua a “historinha”, destacando a “boa administração” de João Pessoa, no governo paraibano (1928-1930). Utilizando figuras de linguagem, assim se expressa, ao falar da formação da Aliança Liberal:
Mas um dia, caros mininos, (sic.) tudo mudou! O dono da TERRA GRANDE onde a terra pequena estava encravada impôs a todos um novo dono para a terra grande que era repartida entre vinte terrenos (...). O povo da terra pequena, já acostumado a repelir imposições, como a dos holandeses, a dos portugueses, a dos paraguaios, uniu-se aos habitantes de outras duas terras maiores e não aceitaram a imposição do novo dono. O nosso administrador foi o primeiro a exclamar: NEGO o meu apoio e o da minha terra pequenina, por isso o homem mau, dono da Terra Grande fez cair todo seu ódio sobre o nosso bom administrador (...). E qual um novo Vidal de Negreiros tornou-se um invencível GUERRILHEIRO. (Jornal A União, 26 jul. 1931, p. 19)
Esse documento vem, mais uma vez, reiterar a identidade do paraibano como “povo bravo e resistente” desde os tempos coloniais. Um povo que teria demonstrado esses atributos na luta contra os holandeses e portugueses, durante o período colonial, e contra os paraguaios, durante o império. Mais uma vez, sobressaia-se na valentia, agora, no combate ao “dono” da “terra grande” (governo federal encarnado no presidente Washington Luís e no novo dono imposto, isto é, Júlio Prestes) que não “respeitava” a autonomia da “terra pequena”, uma vez que sinalizava com uma intervenção federal. João Pessoa é comparado a André Vidal de Negreiros, tendo em vista o “heroísmo” advindo do gesto do “Nego”, uma vez que foi o pioneiro a enfrentar o Catete. O deslocamento discursivo é impressionante: João Pessoa vira guerrilheiro!
Evidencia-se, com bastante ênfase, a idéia da Paraíba como um estado pequeno e pobre, mas que se fez grande pelos gestos de magnanimidade de seu povo, por intermédio de seu comandante. Não é a toa que Maurício de Lacerda, nome expressivo da Aliança Liberal, a nível nacional, comparou a Paraíba, em 1930, à Sérvia em 1914, denominando-a de “Serajevo Brasileira” (Jornal A União, 26 jul. 1931, p. 10).
Continuando a atividade de socialização da memória histórica dos vencedores de 1930, a professora narra a morte de João Pessoa com o seguinte teor:
Estava elle um dia a tarde a conversar despreocupadamente, com alguns amigos, numa das Terras Vizinhas que auxiliava os quilombos, quando uma bala, surpreendeu-o e prostou-o ferido da morte!... O nosso grande heróe que por sua terra tornou-se MARTIR era uma bôa estrela que nos guiava no caminho da Ordem e Progresso... (Jornal A União, 26 jul. 1931)
Uma leitura acurada desse trecho da palestra da professora demonstra, nitidamente, a construção da martirização do ex-presidente paraibano, tomando por base a sua morte. Teria, João Pessoa, sido pego de surpresa, na Confeitaria Glória, sem poder se defender, morrendo de forma traiçoeira. Outro ponto significativo, exposto no documento, é a forma como essa memória oficial vai definir o papel de Pernambuco naquela conjuntura histórica. Serão reafirmadas as vinculações do presidente pernambucano Estácio Coimbra, com o governo Washington Luis e com o grupo político organizador da Guerra de Princesa, através da imagem alusiva à terra vizinha que auxiliava os “quilombos de Princesa”, ou melhor dizendo, os “desordeiros”, revelando a visão estigmatizadora da professora em relação os negros escravos. A historiografia oficial sublinha, com bastante ênfase, os embargos e proibições de entrada de armas e munições para o governo paraibano, por território pernambucano, ao tempo que o governo deste estado criava facilidades para os rebeldes de Princesa Isabel. Os perrepistas são comparados aos quilombos, por serem “arruaceiros”.
Nesse documento, também podemos observar o modelo de História factual dos “vultos” e “heróis”, inaugurado nas escolas, durante o século XIX, tomando por base o ensino no colégio Pedro II. Os sujeitos da História, segundo esse pressuposto teórico, eram os “grandes homens”, responsáveis pela condução do povo ao estágio do “progresso” e da “civilização”. João Pessoa aparece no relato como o guia, a estrela-guia a iluminar o caminho do povo na ordem e no progresso.
Voltando à questão da referida atividade pedagógica, comemorativa do aniversário de morte de João Pessoa, a professora, utilizando o método da memorização mecânica, enveredou pelo caminho da sabatina, como podemos notar a seguir:
Agora que terminei a nossa história, quero saber se vocês compreenderam-na?
Quem era esse minino (sic.)que se tornou bandeirante?
Alunos- JOÃO PESSOA.
Qual era a terra pequenina que ele tornou grande?
Alumnos- O Estado da Paraíba.
O que ele exclamou quando o dono da Terra Grande impôs um novo dono?
Alunos- NÉGO...
Qual era a Terra Grande?
Alunos- O BRASIL... ... ...
Quaes são os discípulos de João Pessôa?
Alunos- Os que sabem bem governar com honradez e critério como José Américo etc.
Onde nasceu José Américo?
Alunos- Em AREIA.
Muito bem vocês devem se tornar bons discípulos de João Pessoa e dignos conterrâneos de José Américo.
(Canta o hino de João Pessoa)
Areia, 22 de julho de 1931.
Ezilda Milanez Dantas Professora do 6º Anno do G.E Álvaro Machado. (Jornal A União, 26 jul. 1931, p. 19)
Como faz notar Bittencourt (2004, p. 68), “A memorização era a tônica do processo de aprendizagem e a principal capacidade exigida dos alunos para o sucesso escolar”. Os métodos de ensino baseados na memorização correspondiam a um entendimento de que “saber história” perpassava pelo domínio de muitas informações, sabendo de cor os acontecimentos, as datas e nomes de “heróis”. Não obstante tais métodos sofrerem críticas, já no século XIX, de autores como Montessori, os chamados métodos ativos só iriam se configurar, na prática, após os anos de 1930. No entanto, no interior da Paraíba daqueles anos, vigoravam as velhas práticas escolares.
A autora citada utiliza o conceito de circularidade cultural para analisar os métodos mnemônicos impregnados na cultura escolar. Para ela, a sociedade brasileira tem se caracterizado pelas tradições orais. Repetiam-se contos e histórias para criança dormir, os serões nas fazendas e nos púlpitos das igrejas, com os sermões dos vigários. No entanto, quando nasce a instituição escolar, propondo uma forma de comunicação escrita, “Os métodos criados pela escola foram obrigados a submeter-se a mecanismos já existentes para imporem o saber que ela pretendia disseminar”. (BITTENCOURT, 2004, p.72). Assim, a cultura escolar/escrita filtrará características da cultura oral, tradicionalmente arraigada nas sociedades, para utilizar métodos como a aula expositiva e o questionário, tendo os alunos a obrigação de decorarem as questões para responderem, de forma oral e/ou escrita, nas sabatinas da vida.
Mas uma verdadeira aula de campo era apresentada na Praça João Pessoa, antes de 1933, ao pé do Altar da Pátria e depois, do próprio monumento do ex-presidente. Alunos, professores e diretores assistiam a “missa de réquiem”, depois peregrinavam, em romaria, da catedral metropolitana à praça. Lá desempenhavam diversas atividades: os alunos jogavam flores ao pé do Altar da Pátria ou do monumento, cantavam o Hino de João Pessoa; professores discursavam; os orfeões do Liceu Paraibano, da Escola Normal e do Colégio Diocesano, sob a regência do maestro Gazzi de Sá também entoavam o hino de João Pessoa e o Nacional.
Em artigo para o Jornal A União, datado de 14 de setembro de 1930, Rafael Correia de Oliveira afirma que, no dia anterior, ouvira, na Assembléia Legislativa, o deputado João Maurício, em conversa, defender a idéia de que a “Paraíba nova”, ao ter nova bandeira, deveria, também, ter um novo hino. Ele fala da cogitação de um concurso para esse fim, cuja melodia e letra deveriam ser compostas por “notas agudas e imperativas, estrophes flammejantes de bravura e revolta, traços profundos da mentalidade pahaybana no instante máximo de seu nolve e destemeroso sacrifício”. Entretanto, no projeto de lei que instituía a nova bandeira paraibana, havia um artigo que ressaltava a permanência dos demais símbolos da tradição antiga: hino, brasão e escudo.
A despeito desse dispositivo conservador, uma nova tradição foi inventada, criando-se um hino especialmente dedicado a João Pessoa. Em 22 de setembro de 1930, pouco mais de um mês após a morte do ex-presidente, o hino em sua homenagem já tinha sido gravado em disco de vinil, lançado pela Casa Edison, no Rio de Janeiro. Como a Aliança Liberal ainda não havia tomado o poder na capital federal, o que só viria a ocorrer em 24 de outubro seguinte, a polícia compareceu às casas dos vendedores, aconselhando-os a não venderem o produto. Mesmo assim, algumas delas, descumprindo os apelos militares, continuaram a comercializá-lo. O Hino de João Pessoa tem música de Eduardo Souto e letra do poeta pernambucano Oswaldo Santiago, conforme transcrito a seguir:
I
Lá do Norte um herói altaneiro,
Que da Pátria o amor conquistou,
Foi um vivo farol que ligeiro
Acendeu e depois se apagou.
Estribilho
João Pessoa, João Pessoa
Bravo filho do Sertão,
Toda Pátria espera um dia
A tua ressurreição.
João Pessoa, João Pessoa
O teu vulto varonil
Vive ainda, vive ainda
No coração do Brasil.
II
Como um cedro que tomba na mata,
Sob um raio que em cheio o feriu,
Assim ele ante a fúria insensata
De um feroz inimigo caiu.
III
Paraíba o rincão pequenino,
Como grande este homem te fez,
Hoje em ti cabe todo o destino
Todo orgulho da nossa altivez.
Na letra, os autores iniciam com um discurso regionalista, associando o herói à sua região de origem. Ao mesmo tempo, recuperam a frase de Euclides da Cunha, na qual o escritor valorizava a fortaleza e a bravura do “homem sertanejo”, para se remeterem a João Pessoa, como sertanejo do município de Umbuzeiro. Outro traço marcante, na composição do hino, é a associação entre João Pessoa e Jesus Cristo, aludindo a “sua ressurreição”. Ao final, fica evidente a reiteração da paraibanidade, da idéia de uma “Paraíba pequena e heróica”, brava e resistente, que se fizera grande pelas mãos de seu “herói”, “herói” esse que, de “tão grande”, virou nacional.
O Hino de João Pessoa estivera afinado na ponta da língua de estudantes, professores, autoridades políticas e militares, intelectuais e a população, de um modo geral. Também esteve afinado no sopro das filarmônicas e orfeões espalhados por toda a Paraíba. Além dos orfeões das principais escolas da capital, aos quais nos referimos em momento anterior, as filarmônicas municipais também participavam das festas comemorativas do 26 de julho, como veremos no depoimento a seguir. Indagada sobre a “Revolução de 1930”, no município de São João do Cariri, a entrevistada Edite Cordeiro de Souza78 relatou:
Ah num lembro muito não isso ai não, mas me lembro até dos hinos de João Pessoa, que ele, mataram ele, João Dantas foi quem matou ele em Recife né? E ele tava em mesa de refeição, ele tava palestrando com uns amigos ai Dantas entrou que ninguém viu atirou no coração. Ai eu sei o hino dele todim, num vou cantar não que eu tou muito rouca.[cantou um breve refrão] (...) Meu pai era mestre de música, num sabe? E agente era cantora, eu e outras irmãs, então, quando tirava esses hino vinha aqui pra São João pra na rua, dia da, do aniversário de morte dele cantava esses hino né?E agente era pago.Eu era mulecota nova pequena ainda mais me lembro de muita coisa.
Na Paraíba, a exemplo do que ocorria a nível nacional, a Igreja Católica, sobretudo nos anos de 1930, exerceu intensa campanha anti-comunista, apoximando-se do integralismo, forjando uma imagem maléfica e assustadora do regime soviético, e ajudando o Estado no combate à disseminação de seus partidários no Brasil, de um modo geral e, na Paraíba, em particular.
Voltando à análise da fotografia acima, além da instituição católica, participando da comemoração do aniversário de morte de João Pessoa, podemos observar, em primeiro plano, duas filas de alunas, devidamente fardadas e uma senhora, talvez uma professora ou diretora, ostentando a Bandeira do “Nego”. Na lateral esquerda da imagem, se encontra a Banda Filarmônica local, que sempre participava das solenidades na condição de executora dos hinos. Entre o templo e os estudantes, estava a população, em meio aos estandartes católicos e bandeiras cívicas, formando uma cena na qual se conjugavam símbolos, instituições, rituais, sagrados e profanos, unidos pelo mesmo objetivo.
Ao falarmos de educação, não a reduzimos ao processo de ensino centrado na sala de aula. Em vários espaços institucionais, os intelectuais orgânicos do grupo vitorioso em 1930 pretenderam ensinar algo. A função pedagógica da escola preenche outros espaços que não apenas a sala de aula, a exemplo da praça pública e do Altar da Pátria. Nesses espaços, também se davam lições. O Jornal A União noticia que, nas comemorações de 1931, cerca de cinco mil alunos desfilaram em frente ao Altar da Pátria.
Em todos os espaços, o currículo aparecia como instrumento de legitimação da memória histórica de João Pessoa. Currículo, para nós, não se define apenas como a lista de conteúdos prescritos em um documento oficial, destinados a serem cumpridos em aulas. Comungamos com Berticelli (1999, p.165), quando afirma que “pode-se entender como currículo os conteúdos não expressos, mas latentes da socialização”, citando Forquin (apud Berticelli, 1999, p. 165), que também o define como
(...) o conjunto de competências ou de disposições que se adquire na escola por experiência, impregnação, familiarização ou inculcação difusas, ou seja, tudo aquilo que os anglófonos designam, às vezes, pelo termo de ‘currículo oculto, em contraste com aquilo que se adquire através de procedientos pedagógicos explícitos ou intencionais.
Ocorre que, a partir de 1931, com a criação do Ministério da Educação, o currículo passou a ser elaborado por comissões de intelectuais ligados ao referido ministério. Primava-se pela História Nacional, pelos “heróis” e vultos da Pátria. As comemorações do 26 de julho, na Paraíba, com todas as práticas pedagógicas, dentro ou fora da sala de aula, se inseriam no que podemos chamar de currículo oculto. Oficializadas pelo governo do estado da Paraíba, as festas cívicas, em alusão ao aniversário de morte de João Pessoa, não constavam no currículo nacional, o que não impede de se considerá-las repletas de intencionalidades e de legitimação do poder instituído. Elas ensinam, falam, formam subjetividades e identidades. Elas também reproduzem a ideologia dos grupos dominantes.
Nesse particular, não vemos incompatibilidade teórica quando pensamos a questão do currículo, entre as teorias críticas e as pós-críticas, não obstante suas elaborações do problema por ângulos diferentes. Ambas são de fundamental importância para a reflexão sobre a questão curricular e educacional, para falarmos de forma mais geral.
De um lado, fazemos coro com as palavras de Silva (1999, p.145):
Embora seja evidente que somos cada vez mais governados por mecanismos sutis de poder tais como os analisados por Foucault, é também evidente que continuamos sendo também governados, de forma talvez menos sutil, por relações e estruturas de poder baseadas na propriedade de recursos econômicos e culturais. O poder econômico das grandes corporações industriais, comerciais e financeiras não pode ser facilmente equacionado com as formas capilares de poder tão bem descritas por Foucault. De forma similar, o poder político e militar de nações imperiais como os Estados Unidos não pode ser facilmente descrito pela “microfísica’ foucaultiana do poder.
A visão do macro-poder permite a apreensão da atuação do Estado e seus aparatos bem como dos grupos sociais que lhe dão suporte e nele se representam, na formulação de suas políticas de memórias, que lhe conferem direção, hegemonia. A visão de micro-poderes possibilita a apreensão das concepções das instituições e grupos da sociedade civil que ou se articulam com o poder do Estado na capilarização da visão hegemônica sobre o mundo e a própria sociedade, ou formulam visões de contra-hegemonia. Estas últimas, pouco espaço tinham na Paraíba, na época em estudo, embora se manifestassem.
De outro ângulo, no nosso modo de entender, o referencial teórico pós-crítico vem enxergar algumas questões que os críticos não colocaram por uma série de razões, entre as quais a própria temporalidade em que formularam suas teorias. Entretanto, não vemos grandes problemas em analisar o objeto currículo a partir de conceitos como ideologia, hegemonia, reprodução, e, ao mesmo tempo saber, poder, identidade e formação de subjetividades. São olhares diferentes, focos diferentes, pensados em contextos históricos diferentes, porém, o fato de uma vertente se configurar mais atual não significa que vertentes teóricas produzidas em outros tempos devam ser, peremptoriamente, rejeitadas em seu todo. Se assim fosse, cada vertente teórica seria um puro ato fundador inaugural, perdendo de vista a sua própria historicidade. Marx não deveria crédito a Hegel, mesmo refutando o seu pensamento, Foucault não deveria tributos a Nietzsche. Estamos de acordo com a concepção da historiadora Silveira, no tocante às perspectivas multidimensionais em detrimento das abordagens simplificadoras das análises históricas. Como afirma Silveira (2004)
Vale dizer que a crítica ao unidimensionalismo de perspectiva não cabe só ao economicismo marxista, mas ao culturalismo, ao politicismo, etc; e que, sendo crítica ao economicismo marxista também deve sê-lo ao economicismo liberal capitalista em sua linearidade mercadológica, crítica esta quase ausente nos meios acadêmicos, o que, no mínimo, é estranho ou revelador.
Fizemos uso dessa passageira discussão teórica a fim de sistematizarmos nosso olhar sobre a escola, o currículo e a socialização da memória histórica da “Revolução de 1930” na Paraíba.
Como já fizemos notar em passagens anteriores, ao comemorar o 26 de julho, a escola se colocava como aparelho de hegemonia, para retomar Gramsci. Pensando pelo lado das teorias pós-críticas, podemos dizer que o currículo também é um formador de identidades e subjetividades, uma vez que os discursos instituídos vão acabar constituindo o que somos e o que pensamos. O eu e o outro, ou a identidade e a alteridade, permeiam a linguagem da memória oficial da “Revolução de 1930”. Essa construção identitária sintetiza-se na paraibanidade, da qual já falamos em outras passagens desse texto. O “ser paraibano” era motivo de orgulho, tendo em vista ter sido o “pequenino” estado, pelo gesto do “grande homem”, o originador da “Revolução de 1930” e, portanto, fundador da “República Nova”. O Outro, os que não estavam com a Paraíba e a Aliança Liberal, eram representados como “arcaicos” e “passivos” diante da política café-com-leite. Ao construir essa identidade de “povo paraibano”, “bravo e resistente desde os princípios”, havia um esforço extraordinário de homogeneização da forma de pensar os acontecimentos da época e, assim, atingir uma adesão ao grupo vencedor, tendo João Pessoa como elemento congregador. Nesse movimento de homogeneização político-simbólica, aqueles que não sentiam pertencimento a essa visão de mundo instituinte, os derrotados de 1930, são relegados aos subterrâneos da memória, memória que se oficializa excluindo o grupo perrepista, por aquela referido nos termos de um passado que se quer apagar neste momento inaugural, fundante, de um “novo tempo”.
Assim, ao mesmo tempo em que o currículo reforçava essa identidade, também podemos entendê-lo como formador de subjetividades. Vejamos:
O director do Ensino Primário determinou ás escolas escolas públicas desta capital e do interior, que promovam amanhã, a realização de sessões cívicas, ás 15 horas, commemorativas da passagem do 3º aniversário da morte do presidente João Pessôa. Os professores deverão fazer uma prelecção sobre a vida do inesquecível parahybano, apontando-o aos seus alumnos como um exemplo a imitar. (Jornal A União, 25 jul. 1933, p. 8 grifos nossos).
Como podemos inferir, o currículo era instrumento de poder fortemente marcado pela formação de subjetividades, na medida em que inculcava valores morais constelados no mito, a ponto de sugerir que os alunos deveriam seguir o exemplo de vida do ex-presidente.
Bourdieu questiona frontalmente a neutralidade da escola e do conhecimento escolar, argumentando que o que essa instituição representa e cobra dos alunos são, basicamente, os gostos, as crenças, as posturas e os valores dos grupos dominantes, dissimuladamente apresentados como cultura universal. A escola teria, assim, um papel ativo - ao definir seu currículo, seus métodos de ensino e suas formas de avaliação - no processo social de reprodução das desigualdades sociais. (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002).
Rezando, estudando, soprando, cantando, noticiando, fotografando... assim ia sendo cristalizada a memória mítica de João Pessoa. Memória construída culturalmente, com o objetivo, explícito ou implícito, de manter a estabilidade e a coesão social, uma memória que se pretendia ser de todos os paraibanos, que almejava ter o apoio de diversos segmentos sociais com vistas à legitimação do bloco hegemônico após 1930. Diversas instituições se encarregaram de exercer um verdadeiro Poder Simbólico, esse poder que, segundo Bourdieu (1989, p. 14/15), se constituía
(...)pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isso significa que o poder simbólico em forma de uma “ illocutionary force” mas desta- entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, a crença cuja produção não é de competência das palavras. (Grifos nossos).
Durante os quinze anos da Era Vargas, período delimitado para este trabalho, foi constante a reiteração de tal simbologia, por meio das práticas das comemorações cívicas, que expressavam a ideologia das elites que comandavam a Paraíba, cooptando segmentos da sociedade civil da capital e de outras localidades do estado.
Dessa forma, o Poder Simbólico, da memória construída sobre João Pessoa, era socializado por várias instituições e segmentos, se estendendo aos grupos populares, não por meio da violência física, mas pela estratégia da violência simbólica, fazendo uso do poder de mobilização, de enunciação e de crença na legitimidade das palavras de quem as pronunciava.
Talvez - e fica aberto mais um campo temático a futuras investigações - o fato deste poder simbólico não ser reconhecido como arbitrário tenha advindo de um meio social receptivo à figura do presidente assassinado, a que se soma a comoção com a sua morte. Por outro lado, não se pode esquecer que os vencedores de 1930 foram extremamente eficientes e ágeis na elaboração dos efeitos de sentido em torno de João Pessoa na produção de lugares de memória, na ocupação de espaços institucionais de socialização do mito. Prova disso é a persistência desse mito para além do período desse estudo, praticamente até os dias atuais, quando a polêmica acerca da mudança do nome da capital paraibana evidencia que a disputa simbólica emergente nos anos trinta ainda não se encerrou, apesar dos mais de três lustros que nos distanciam dos acontecimentos que a instituíram.
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REUZA RIBEIRO DE QUEIROZ: professora primária aposentada, nascida em 5 de outubro de 1923. Entrevista realizada em 6 de fevereiro de 2005.
MAURA TAVARES DE LIMA: professora aposentada, nascida em 5 de agosto de 1937. Entrevista realizada em 22 de outubro de 2005.
MANUEL DANTAS VILAR FILHO: engenheiro civil e fazendeiro no município de Taperoá. Entrevista realizada em 11 de maio de 2006.
EDITE CORDEIRO DE SOUZA: agricultora, residente no município de São João do Cariri. Entrevista concedida em 22 de outubro de 2006.
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM FERIADO: A MARCA DA MEMÓRIA
A festa tem sempre uma função pedagógica e unificadora, reduzindo as diferenças existentes. (OLIVEIRA, 1989, p. 2, grifos nossos).
Sendo o calendário uma construção cultural, muito embora muitos povos tenham tomado a natureza como parâmetro para elaboração destas marcas do tempo, é uma forma do Homem se situar no mesmo, localizando acontecimentos, podendo julgá-los por critérios de anterioridade, posterioridade e simultaneidade. Como construção histórica, pois, sofre as interferências dos seres humanos e se adéqua a diversos interesses. Um exemplo, dentre tantos, é o calendário revolucionário francês, dando denominações aos meses de forma a rememorar a Revolução de 1789. A institucionalização de um feriado exemplifica essa busca de controle do tempo pelo Homem, uma vez que se constitui como um momento de suspensão do cotidiano em que se demarca algum evento especial. Há, portanto, uma pausa no ritmo diário do trabalho e da dinâmica do dia-a dia para a realização das comemorações.
A comemoração pretende exorcizar o esquecimento (LIPPI, 1989, p. 2), de modo que os organizadores das festas revolucionárias procuram, anualmente, afirmar a revolução, ensinando-a a quem não a conheceu diretamente. (OZOUF, 1988, p.219).
Durante o século XIX, houve uma explosão do espírito comemorativo. Foi a Revolução Francesa a dar esse exemplo? Mona Ozouf descreveu bem esta utilização da festa revolucionária a serviço da memória: “Todos os que fazem calendários de festas concordam com a necessidade de alimentar através da festa a recordação da revolução.” (apud LE GOFF, 1992, p.199).
A laicização das festas e do calendário facilita, em muitos países, a multiplicação das comemorações. Na França, o 14 de julho. Nos Estados Unidos, após a Guerra de Secessão, os estados do norte estabeleceram um dia comemorativo, festejado a partir de 30 de maio de 1868: “Se os revolucionários querem festas comemorando a revolução, a maré da comemoração é, sobretudo um apanágio dos conservadores e nacionalistas, para quem a memória é um objetivo e um instrumento de governo” (LE GOFF, 1992, p. 463).
A comemoração, segundo o citado historiador francês, apropria-se de suportes: moedas, medalhas e selos de correios multiplicam-se. A partir do século XIX, uma nova vaga de estatuária, uma nova civilização da inscrição (monumentos, placas de paredes, placas comemorativas nas casas de mortos ilustres) atinge as nações européias.
Analisando as tradições inventadas no século XIX, pela Terceira República Francesa, Hobsbawm (1984, p. 279), assinala três tipologias como consideravelmente importantes: os monumentos, a educação primária e as cerimônias públicas.
Os conteúdos escolares constituintes dos manuais tinham um cunho acintosamente nacionalista e republicano, estando a serviço da legitimação ideológica da Terceira República, e objetivavam, “transformar não só camponeses em franceses, mas todos os franceses em bons republicanos”. (HOBSBAWM, 1984, p. 279).
No que tange às cerimônias públicas, parece ser o Dia da Bastilha o mais festejado, reunindo manifestações oficiais e não oficiais, “confirmando anualmente a condição de França como nação de 1789, na qual todo homem, mulher e criança franceses poderiam tomar parte”. (HOBSBAWM, 1984, p. 279).
No Brasil, as festas públicas, misturando atributos cívicos e religiosos, remetem ao período colonial, tendo continuidade após a independência, em outro contexto histórico, daí, algumas características diferentes do período antecedente. Nas palavras de Souza (1999, p. 209),
As cidades e suas câmaras, arranjadas com a igreja, comemoravam de tempos em tempos, e por ordem do Estado, o nascimento dos herdeiros, os casamentos dos infantes, a aclamação do soberano, os batizados das crianças reais, as exéquias dos príncipes; daí advinha todo um novo ciclo, ao inaugurar-se um novo reinado.
Durante o império, festa era o que não faltava. O protagonista, evidentemente, não poderia ser outro, senão o imperador. Por onde andasse, em carne e osso, ou mesmo presente por meio do retrato, reunia uma população esbanjando comemoração. Anteriormente à independência, quando ainda era príncipe, D. Pedro empreendeu viagens em busca de adesões ao projeto de separação do Brasil. Assim como, posteriormente, ocorreria com a aclamação e coroação do imperador do Brasil, tudo era ritualizado, cerimonializado, em demonstração de uma nação que caminhava no rumo da “civilização”. Concordamos com Souza (1999, p. 251), quando destaca que
Esses signos, símbolos, vivas, proclamações, imagens e metáforas, no seu conjunto e volume, entrecruzando-se aqui e acolá no universo social, nas celebrações públicas e oficiais, instauravam uma dada noção de Brasil, mediada pela monarquia constitucional e pelo civismo cobrado de cada um. Nesse sentido, tantos adornos, ritos, signos da monarquia, ajudavam a construir uma idéia e uma imagem da nação brasileira, concorrendo para seu eficaz reconhecimento. E, ao mesmo tempo, este Estado forte que assegurava a união territorial norteava-se pela monarquia, banindo o advento da república, prima da anarquia.
A festa cívica tem um caráter pedagógico. Ela é organizada no sentido de dar lições, de inculcar um ideário que legitime um determinado regime político. No caso do Império brasileiro, as festas funcionavam com o objetivo de comemorar a nação que, na visão das elites e do Estado, estava no rumo do “progresso” e da “civilização”, conforme rezava a cartilha de modelo eurocêntrico. Era preciso, entretanto, aprender as “tradições nacionais”, buscando, no passado, as origens dessa nação “predestinada” que caminharia para o futuro, a realizar-se a cabo do Estado monárquico, garantidor da unidade territorial, diferentemente das repúblicas latino-americanas, que teriam proporcionado o esfacelamento político-territorial e a anarquia.
Nesse particular, cumpre fazermos referências às datas comemorativas nacionais, algumas das quais, ainda hoje, bastante festejadas no cotidiano escolar da Educação Básica. Entre 1820 e 1830, o Estado lançou os marcos temporais da nação brasileira, autônoma e regida por constituição própria. Datas como o 7 de setembro (grito do Ipiranga), o 9 de janeiro (Dia do Fico), o 25 de março (outorga da Constituição), o 3 de maio (abertura da Assembléia Constituinte) e o 12 de outubro (aclamação de D. Pedro I e oficialização do império), “espelhariam a marcha da civilização brasileira e serviriam à sua própria celebração.” (SOUZA, 1999, p. 253).
Com a implantação do regime republicano, contudo, as apropriações dos passados mudam, com seus acontecimentos e “heróis”, escolhidos de modo a legitimarem o novo regime político. Acontecimentos como a Inconfidência Mineira, a Revolução de 1817, os movimentos de 1824 e 1848, ganharam destaque nos currículos e passaram a ser disseminados pelos livros didáticos. Tiradentes passava a ser o “herói” que vinha dar legitimidade aos republicanos de 1889. A idéia era buscar no passado “heróis” e acontecimentos que demonstrassem a valorização da República como regime ideal, desde os tempos coloniais.
Com base nas possibilidades analíticas oferecidas por estes exemplos, passemos às comemorações do aniversário de morte de João Pessoa. Inicialmente, faz-se importante recorrermos ao projeto de lei que alterou o calendário da Paraíba, instituindo o 26 de julho como feriado estadual, o ato instituinte:
Projecto Nº 1- A Assembléia Legislativa do Estado da Parahyba, Resolve:- Art. 1º- Considera-se feriado estadual o dia vinte e seis de julho, em homenagem ao inolvidável presidente João Pessoa. Art 2º- Revogam-se as disposições em contrário. Assembléia Legislativa da Parahyba, 12 de agosto de 1930. (a)- Argemiro de Figueiredo. (Livro de Atas da Assembléia Legislativa da Paraíba).
Em sessão legislativa do dia anterior à apresentação desse projeto, os deputados haviam votado e aprovado um minuto de silêncio em homenagem à memória de João Pessoa. No dia seguinte, era apresentado o primeiro de tantos outros projetos que criavam lugares de memória do presidente morto. Como ocorreria em setembro de 1930, com a apresentação do projeto que propunha a mudança do nome da capital, o autor da propositura que alterava o calendário cívico da Paraíba, foi o deputado campinense Argemiro de Figueiredo, cujo perfil político já fizemos notar no segundo capítulo desse trabalho. No dia 27 de agosto de 1930, ocorrera a primeira discussão do projeto. No dia seguinte, o deputado Generino Maciel recomenda que o mesmo seja enviado à Comissão de Justiça, sendo aprovado, por unanimidade dos votos, na sessão do dia 3 de setembro, e sancionado pelo presidente Álvaro de Carvalho, como Lei nº 702, de 9 de setembro de 1930.
Foi, sem sombra de dúvida, a primeira intervenção oficial na construção da memória de João Pessoa e da “Revolução de 30”, demonstrando que, como fizeram os franceses, “a alteração do calendário pode ser tomada como um exemplo extremo de que controlar o tempo se torna essencial ao poder”. (OLIVEIRA, 1989, p. 2). A partir de então, essa data, expressão de lugar de memória, se transformaria, anualmente, em “festa capaz de mobilizar uma cidade ou parte dela, interrompendo o funcionamento das instituições públicas, a rotina de trabalho, alterando o fluxo e o movimento das ruas...” (SOUZA, 1999, p. 214-215).
Tomando por base a institucionalização do feriado de 26 de julho, buscamos compreender a criação e a apropriação feitas por parte do Estado, desse lugar de memória, dando visibilidade maior, já que é a proposta desse capítulo, ao papel das escolas paraibanas e às práticas desenvolvidas no dia do aniversário de morte do ex-presidente João Pessoa.
Partindo da idéia de um Estado Nacional centralizado, após 1930, cuja intervenção no ensino de História se fazia notar no currículo, que primava pelo realce aos vultos da Pátria, colocam-se alguns questionamentos: Como foi possível celebrar e comemorar um “herói” paraibano? Que práticas culturais-simbólicas compunham a programação dessas festas cívicas? Qual o papel da escola nesse universo simbólico da comemoração?
UM HERÓI PARAIBANO COMO HERÓI NACIONAL
Apresentamos algumas indagações anteriormente, às quais buscaremos responder a seguir. Comecemos, então, pela primeira delas: João Pessoa, um “herói” regional ou nacional?
A historiadora Bittencourt (2006) discute a construção da memória histórica no âmbito da educação escolar, porém, fora da sala de aula, mediante práticas educacionais comemorativas de eventos e de “heróis nacionais”, no decorrer das primeiras décadas do século XX. Conforme observa a autora,
As atividades programadas para a escola oficial compunham-se de comemorações relacionadas às “datas nacionais”, de rituais para hasteamento da bandeira nacional e hinos pátrios, além de uma série de outras festividades que foram englobadas sob o título de “cívicas”, compondo com as demais disciplinas o cotidiano escolar. Acompanhando o cuidado com que as autoridades educacionais organizaram e fiscalizaram tais práticas escolares e seguindo o conteúdo das denominadas “festas cívicas”, é possível verificar que o ensino de História não era conteúdo exclusivo da ação dos professores em sala de aula. Além da “história da pátria” ser tema preferencial de livros de leitura e das músicas escolares, havia outros recursos de comunicação, com rituais e símbolos construídos para a institucionalização de uma memória nacional. (BITTENCOURT, 2006, p.44).
Desde que a História se constituiu enquanto disciplina escolar, no Brasil, no século XIX, a questão da identidade nacional conferiu-lhe a missão de auxiliar o projeto nacionalista, primeiramente, levado a cabo pelo Estado Imperial e as elites que lhe davam sustentação, e, depois, pelo Estado republicano, com o suporte de outros grupos.
Pensando numa longa duração, podemos considerar a permanência, na História do Ensino de História, do modelo de produção do conhecimento histórico baseado no IHGB, e do seu modelo de transmissão, no Colégio Pedro II. Estes referenciais têm feito parte da consciência histórica, em uma determinada época, e ainda o fazem, especialmente do senso comum, perpassando a idéia de “ciência do passado”, “chata” e “cansativa”, pois obriga os alunos a decorarem os nomes e feitos dos “heróis nacionais” com suas respectivas datas, em aulas baseadas nos métodos da memorização mecânica e em avaliações tradicionais, nas quais os alunos devem repetir as respostas, oralmente ou por escrito, tais quais estão postas no livro didático. Na concepção de Stephanou (1998, p.16), com esse modelo de História factual, talvez os alunos não memorizem a médio/longo prazo os nomes, datas, feitos épicos e narrativas, entretanto, se consegue marcar, indelevelmente, a concepção de História dos educandos. Calissi (2004), fazendo uma historicização do livro didático no Brasil, desde os anos de 1930, percebe que a ruptura com esse projeto de História Política tradicional ocorreu no final do século XX, notadamente, no final dos anos de 1980, no contexto da chamada redemocratização brasileira, pós-regime militar.
Essas elaborações teóricas nos levam a problematizar essa longa duração. Por que a História Política tradicional, factual e linear, consciente e elitista, masculina e cristã, eurocêntrica e patriótica, tem permanecido nos currículos escolares?
Para efeito de análise, tentaremos vislumbrar algumas respostas no contexto histórico da chamada Era Vargas, levando em consideração o recorte temporal de nosso trabalho.
Nacionalismo e pensamento autoritário conjugam-se como a tônica desse período. Na visão de Abud (1998),
A concepção de realidade e de sociedade, que originava do nacionalismo e do anti-liberalismo, levava à responsabilização do Estado pela formação da nacionalidade e pela direção do povo. Este era considerado como “massa” que deveria ser orientada a seguir as elites, verdadeiro motor das transformações pelas quais o Brasil deveria passar para chegar ao desenvolvimento. (Grifos nossos).
O ensino de História estava, então, ideologicamente, a serviço do projeto de construção da identidade nacional, levado a efeito pelo Estado, em uma nova temporalidade. Daí os programas privilegiarem conteúdos tradicionais, com bastante ênfase na valorização da colonização portuguesa. Mas qual a relação existente entre o projeto nacionalista-autoritário varguista e o estudo dos “heróis” portugueses coloniais? A justificativa para o destaque dado à administração colonial portuguesa pode ser encontrada na idéia de continuidade histórica. O Estado Nacional Brasileiro, sob o comando de Getúlio Vargas, se colocava como continuador do projeto de construção da nação brasileira rumo ao “progresso” e ao “desenvolvimento”, cujas origens podem ser encontradas na colonização, pois teriam os portugueses propiciado a unidade territorial dessa nação “predestinada”. (ABUD, 1998).
Dessa forma, infere-se que o ensino de História, nesse período, vinculava-se à necessidade de formar o cidadão ideal para “ajudar” o Estado centralizado e as elites nessa missão teleológica. Um dos objetivos desse ensino era, justamente, construir o sentimento de brasilidade, neutralizando o poder das oligarquias regionais, sentimento esse, formado a partir da unidade territorial-administrativa e cultural.
Devemos destacar, portanto, que a apropriação que se faz dos passados, pelo presente histórico, deve ser entendida no bojo dos jogos de interesses e questões do referido presente. As escolhas das “datas nacionais” a serem comemoradas, e os “heróis” da “fundação da nação” a serem lembrados, dependem de como possam legitimar o regime político vigente. Um exemplo disso são as tradições inventadas pelos intelectuais republicanos no início do regime, que buscavam, no passado colonial, eventos e “heróis” republicanos como forma de construir, no imaginário, a idéia de nação predestinadamente republicana, onde “a monarquia deveria ser entendida como uma anomalia que se fez necessário apenas temporária e circunstancialmente na história nacional”. (BITTENCOURT, 1990, p. 177).
Os intelectuais republicanos que colocavam a “independência” como marco inaugural da “nação brasileira”, secundarizavam o papel de D. Pedro I. Rocha Pombo, por exemplo, atribuiu o papel de “fundador da Pátria” a José Bonifácio. (BITTENCOURT, 1990, p. 178). Afrânio Peixoto, ao se referir à Casa de Bragança, dá ênfase a D. João, enquanto Osório Duque Estrada coloca D. Pedro I no rol dos “homens ilustres que criaram a nação”, entretanto, seu nome aparece nos livros didáticos apenas em uma nota de rodapé. (BITTENCOURT, 1990, p. 179).
Durante a Era Vargas, ocorreram duas reformas educacionais, a primeira em 1931, com Francisco de Campos no Ministério da Educação e Saúde, e a segunda, em 1942, sob a gestão de Gustavo Capanema. O ponto central dessas reformas consistia nas articulações entre a educação e a nacionalização, de forma a centralizar os programas de ensino. Entretanto, em que pese a força oficial do projeto de reformas, existia um contra-discurso, demonstrando a natureza conflituosa do referido projeto. Como exemplo, podemos lembrar as críticas feitas pelo grupo do Manifesto dos Pioneiros de 1932, liderado por Fernando de Azevedo, que assumia postura contrária às medidas centralizadoras da reforma de 1931 e defendia um modelo educacional mais regionalizado, com base nos pressupostos da escola estadunidense.
A pretensão homogeneizante da educação, nos anos 1930/40, visava, mais do que nunca, permitir a ocultação das divisões sociais e das diferenças, de um modo geral, inculcando nas “massas” a idéia de serem dirigidas pelas elites, assim como a valorização da “democracia racial” e um combate àquilo que era considerado divisionismo: os regionalismos e a luta de classes.
Com o Estado Nacional Brasileiro no pós-1930, a centralização não se dá apenas no âmbito político e socioeconômico, mas também no cultural. No setor educacional, a criação do Ministério da Educação é a maior evidência do centralismo estatal no ensino. Os programas e orientações metodológicas são pensados por comissões de intelectuais ligados ao aparelho estatal e enviados de cima para baixo, para as escolas, públicas e privadas, de todo o Brasil. (ABUD, 1998, p.3).
A partir de 1937, com a decretação do Estado Novo, o nacionalismo autoritário ganharia maior vigor. Almeida (1998) reconhece, no paradigma pedagógico do Estado Novo, uma trilogia fascista: religião, pátria e família. O discurso oficial utilizaria, com bastante veemência, o conceito de “ordem” para se contrapor ao de “desordem”, o primeiro, identificado com os pressupostos ideológicos do regime político vigente, enquanto o segundo, era representado como enfeixando as ideologias opostas aos cânones do nacionalismo e do catolicismo.
A instituição escolar atuava como aparelho ideológico, reproduzindo o modelo de sociedade desigual, de nacionalismo e de autoritarismo, como “bom” e “desejável”. O papel da educação, nesse sentido, era notado pelo Departamento de Educação, por meio das palavras de Nilo Pereira: “o sucesso de nosso regime depende do systema de educação imposto e controlado pelo Estado. Fora dahi, seria perder tempo, palavras e dinheiro.” (ALMEIDA, 1998). A educação, como “solução” dos problemas nacionais, já estava posta na Primeira República, mas no contexto do liberalismo de influência francesa. Com o Estado Novo, a continuidade da idéia reveste-se de uma outra fundamentação, e ocorre em um outro contexto histórico. Os princípios rousseaunianos da Primeira República são substituídos, no âmbito do discurso oficial, pelas idéias autoritárias do nazifascismo.
Em 1934, o Ministro da Ciência, Educação e Formação do Povo, da Alemanha, formulou o paradigma pedagógico nazista, pautado, dentre outros, pelos seguintes princípios: a) alimentar o imaginário de repulsa aos regimes democráticos e parlamentares; b) veicular valores contra o ideário comunista e sindicalista; c) disseminar a ideologia racista; d) instrumentalizar o anti-semitismo; e) reinterpretar a história alemã, cultuando os heróis nacionais; f) exacerbar o nacionalismo; e, g) apresentar o nacional- socialismo como único regime capaz de extinguir a luta de classes (paz entre operário e patrão). (ALMEIDA, 1998).
Na Itália, a reforma empreendida pelo ministro Giovanni Gentile (1932) definia, ainda, a obrigatoriedade do ensino católico nas escolas, como forma de disseminar a “religião da nação”, e exigia a fidelidade dos professores ao regime fascista.
Como já fizemos notar em outros momentos desse texto, a educação, durante a Era Vargas, se enquadrava no discurso da nacionalidade. Alguns elementos, parte integrante do cotidiano e das práticas educacionais, seguiam os princípios nazi-fascistas. Por exemplo: o uso da imagem como formadora de opinião e o emprego de mensagens claras dando importância ao uso da palavra para que a doutrinação se fizesse por meio da persuasão.
Esse processo não era homogêneo nem transcorria sem conflitos. Havia resistência e punição a quem se colocava contra a “ordem”. Eram os “desordeiros”, os “inimigos da ordem”, conceitos afinados na “ponta da língua” da Igreja, da escola, da imprensa, etc, que deveriam ser repetidos cotidianamente, perante os sujeitos que participavam das atividades desses aparelhos ideológicos de hegemonia.
No caso da educação escolar, merecem destaque as premiações concedidas pelo Estado aos professores da “ordem” e, ao mesmo tempo, as punições impostas aos que se mostrassem “desordeiros”, seja sob a forma de exoneração ou de aposentadorias forçadas. (ALMEIDA, 1998).
O livro didático, nesse particular, passou por controle absoluto do Estado, havendo forte censura a fim de evitar o “perigo da infiltração vermelha nas obras educacionais da infância” e de não se colocar, nas mãos das crianças, a “arma branca dos bolcheviques.”
O Estado forte cada vez, mais pautava suas ações pelo intervencionismo, de tal forma que criava políticas culturais imprescindíveis à legitimação ideológica do regime vigente. Embora não seja o foco central de nosso trabalho, essas políticas culturais se constituem de grande importância para a reflexão sobre a nossa temática.
O trabalho de Cury (2003) é valioso para compreendermos as vinculações envolvendo educação/cultura e nacionalismos no Brasil, em três temporalidades históricas diferentes. Com relação ao período que nos interessa nesse trabalho, a historiadora discorre sobre o papel dos intelectuais na configuração da brasilidade. Referindo-se aos anos trinta, a autora coloca que
Os discursos, interpretações e imagens produzidas durante a Era Vargas sobre identidade e memória nacional no interior do projeto de invenção da nação ou, como preferiam alguns, (re)invenção, encontram-se os intelectuais que ocupavam cargos de direção, no âmbito cultural. É neste contexto histórico que os dirigentes políticos formulam, pela primeira vez no Brasil (sob regime republicano), as chamadas políticas culturais, numa perspectiva preservacionista, “criando/inventando” nosso patrimônio histórico. Podemos dizer que dois segmentos da sociedade estavam envolvidos diretamente com esta temática. De um lado, vários grupos de intelectuais e, de outro, o estado varguista, não necessariamente em pólos opostos e, muitas vezes, como parceiros neste projeto.
Um órgão bastante emblemático, do ponto de vista da política de construção da brasilidade, foi o SPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), surgido, em 1937, pelas mãos do modernista Mário de Andrade, incumbindo-se de proteger os monumentos e obras de arte nacionais.
Além dessa iniciativa, outras vieram, conjugando-se ao projeto de identidade nacional estadonovista, a exemplo do Instituto Nacional do Livro, do Instituto Nacional de Cinema Educativo, do Serviço Nacional do Teatro, e do Serviço de Radiodifusão Educativa, além do apoio direto a projetos de caráter individual, como o de Portinari e o de Villa-Lobos. (CURY, 2003)
Com relação à radiofonia educativa, Dângelo (1998) analisa a utilização do rádio e do cinema educativos, entre os anos 1920 e 1940, de grande relevância na visão do Estado, na transmissão do ensino da História da Pátria. O rádio cumpria a missão de veicular a propaganda ideológica do Estado Novo, de legitimar esse Estado como o que estava conduzindo a nação brasileira ao “progresso”, legitimidade feita em simbiose com um certo passado histórico apropriado.
Ensinar História pelo rádio tinha a vantagem de transmitir os símbolos, “heróis”, acontecimentos e comemorações nacionais em outros espaços de sociabilidade, que não apenas a sala de aula. As ondas do rádio, massificadas, atingiam em cheio o cotidiano doméstico, reforçando o ideário de brasilidade.
Ficando em casa, os ouvintes, atingidos nacionalmente por uma rede de rádio, juntar-se-iam a essa multidão, recebendo impressões irradiadas das ruas e dos estádios, em comemorações cívicas preparadas para saudar os mitos fundadores da nação, os heróis que realizaram os anseios de liberdade em nome do povo, o 07 de setembro, o 15 de novembro, o 19 de novembro, o 13 de maio e o 1º de maio. Ocorre, portanto, uma articulação dessas celebrações pelo rádio educativo ao ensino de História, bem como à organização dos dispositivos de censura e produção de manifestações cívicas nos anos 30 e 40. (DÂNGELO, 1998).
O autor coloca que a dramatização era a forma mais utilizada na transmissão da história da pátria pelo rádio. O papel do professor era diminuto, pois,
A este restaria atrair os alunos para a História com o uso de livros didáticos, mapas e quadros intuitivos devidamente preparados e indicados para a absorção dos mitos, heróis e valores nacionais e aos conferencistas do rádio caberia a criação das cenas, induzindo os alunos ao local e época narrados, conferindo ao técnico a atribuição das montagens e efeitos apropriados. (DÂNGELO, 1998)
Diante do exposto, podemos perceber o quanto o nacionalismo era a tônica da Era Vargas. Sendo dessa forma, João Pessoa passa à condição de “herói” nacional como uma construção histórica da Aliança Liberal. A documentação que analisamos, é enfática em mostrar a imagem de João Pessoa como “vulto da pátria”, como “herói” da História nacional. Senão, vejamos:
(...)Seus passos ficaram marcados na história nacional e só a lembrança do seu nome equivale a um depoimento justificativo da sua superioridade. (...) É que esse homem foi um assombro da pureza republicana, tendo pela Pátria um culto inverossimilhante alto e absorvente. Foi por ele que os olhares do Brasil se fixaram na Paraíba, tornada, então, barreira aos desmandos de uma época mais do que calamitosa para o país. (Jornal A União, 26 jul. 1944, grifos nossos).
Esse trecho é bastante relevante no tocante à inserção de um mito que veio reafirmar a identidade de um povo bravo e resistente, o paraibano, mas no contexto do Estado Nacional centralizado. Essa era a visão de mundo do grupo da Aliança Liberal na Paraíba, que buscava articular-se ao quadro político nacional. Por outro lado, tudo que o varguismo queria, era evitar os regionalismos em favor do nacionalismo, daí, parece que a solução encontrada para a questão de alguns mitos regionais, era cultuá-los como “heróis da Pátria”. Assim também ocorreu, na mesma época, com o mito dos bandeirantes, de modo que o “passado bandeirístico legitimava ainda a dominação paulista frente ao Brasil, porque havia sido o bandeirante quem dilatara a pátria, implantando uma conduta disciplinadora pela ação guerreira e mística”. (BITTENCOURT, 1990, p. 187). Mas, desta feita, o bandeirante aparece nitidamente como “herói da Pátria”.
Outra questão interessante, na citação acima, é a utilização da memória mitificada de João Pessoa como forma de legitimar o regime republicano, sobretudo, da segunda república. A documentação que trabalhamos, é rica em afirmações que buscam uma linearidade de “heróis” que sempre lutaram pela república, desde os tempos coloniais até o presidente João Pessoa. Reiterar a paraibanidade, heróica e republicana, estava sempre na ordem do dia, como podemos perceber a seguir:
João Pessôa, pelo cunho excepcional das circunstâncias que lhe cercaram a ação e o sacrifício e pelo sentido grandioso e profundo da sua atitude perante a história política do Brasil, avançou sôbre o futuro. Antecipou-se á consagração da posteridade. Póde-se dizer que, na mesma hora em que êle tombou, fez-se em torno do seu nome êsse halo de imortalidade e de glória que circunda um Tiradentes, um Miguelinho, um Frei Caneca. Um dêsses símbolos impressionantes e eternos do idealismo e da bravura do homem consubstanciado numa causa libertária e generosa. (Jornal A União, 26 jul. 1938, grifos nossos).
Pelo visto, o discurso acima enunciado, tem uma conotação bastante predestinada, João Pessoa parece escrever o futuro, à luz de mitos do passado.
Fazendo uso da epígrafe com que abrimos esse ponto de nosso trabalho, não podemos pensar nas festas cívicas sem as remetermos para a sua função pedagógica. A historiadora Souza (1999, p. 235), analisando as festas cívicas, no contexto da transição do Brasil colonial para o Império, alude ao fato de que “essa festa de intenso teor político precisava dizer algo, dirigir-se ao povo, enviando-lhe uma mensagem sobre o assunto da separação entre Brasil e Portugal”. E afirma que “este gênero de festa tinha horror ao nada dizer ou conseguir comunicar, ao vazio, ao silêncio dos espectadores ou a sua recusa em participar” (SOUZA, 1999, p. 235). Tais comemorações, portanto, objetivavam, no caso citado pela autora e, com a participação da população, a consolidação do processo de adesão à figura de D. Pedro I.
A pedagogia das festas comemorativas da memória de João Pessoa, como o “herói da Revolução de 1930”, também tinha uma mensagem a passar, como forma de dar legitimidade ao Estado Nacional varguista e seus representantes no controle do aparelho de estado paraibano. Colar na imagem mítica de João Pessoa tinha por finalidade justificar os governos que foram se sucedendo de 1930 a 1945. Com o artigo escrito por José Fernandes de Luna, para o Jornal A União, podemos exemplificar a questão:
Não é necessário ser muito perspicaz para reconhecer o traço de semelhança que há entre o nosso atual interventor e o presidente João Pessôa. Como êste, Ruy Carneiro experimentou anos de lutas e sacrifícios até alcançar a posição de relêvo que hoje desfruta. Desde os dias agitados da campanha redentora de 1930, esse jovem governante tem pautado as suas ações pelos princípios sadios e humanitários do Grande Presidente. Como êle, ainda, Ruy Carneiro e o seu povo fortalecem a coluna altiva da Democracia Brasileira, lutando pela União Nacional em tôrno de Getúlio Vargas, para que o Brasil progrida num ambiente de tranqüilidade e mútua compreensão. (Jornal A União, 26 jul. 1944, capa, grifos nossos).
Nessa citação, vemos o caso do estabelecimento da continuidade histórica entre Ruy Carneiro e João Pessoa, mas a documentação oficial é farta dessas bricolagens presente-passado com os outros interventores/governador, a saber: José Américo (1930), Antenor Navarro (1930-1932), Gratuliano de Brito (1932-1934), Argemiro de Figueiredo (1935-1940) e o próprio Ruy Carneiro (1940-1945). Outra questão perceptível na referida citação é a reprodução, nos estados, do projeto político-ideológico do Estado Nacional. Os interventores serão coadjuvantes na reiteração do nacionalismo autoritário, sobretudo, a partir de 1937, com o golpe do Estado Novo. Em resumo: a cada ano que se celebrava o aniversário de morte de João Pessoa, havia a legitimação do governo paraibano e da ideologia do Estado Nacional varguista.
Festejava-se por toda parte, do recinto de várias instituições à praça pública. Esta se torna lugar privilegiado para as comemorações cívicas, uma vez que “educa” as pessoas que não freqüentavam as escolas, misturando, num espaço único, uma diversidade de sujeitos: alunos, famílias, autoridades e a população, de um modo geral. Constitui-se um método educacional de vasto alcance e preenche as expectativas dos organizadores das festas.
AS PRÁTICAS COMEMORATIVAS SOBRE JOÃO PESSOA
Falar em organizadores das festas suscita entrarmos na discussão das outras questões propostas anteriormente: as práticas constitutivas das comemorações e o papel das instituições em tais festejos, sobretudo, a instituição escolar.
Pelo que pudemos apurar, a sistematização das festas cívicas do 26 de julho, na Paraíba, estava a cabo do Centro Cívico “João Pessoa” e do Estado, como instituições diferentes, porém, compostas, basicamente, pelas mesmas pessoas.
Nossa leitura conceitual de Estado, nessa análise, fundamenta-se na teoria do marxista italiano Antonio Gramsci. Partindo da noção de Estado Ampliado, Gramsci entende o Estado abrangendo tanto o aparelho repressivo (sociedade política) quanto os aparelhos ideológicos (sociedade civil), sendo que, ambos, de uma forma ou de outra, cumprem a missão de produzir e reproduzir a hegemonia.
É o que podemos ver no pós-1930, na Paraíba, com a devida cautela nos usos dos conceitos. Tanto a sociedade política quanto a sociedade civil estavam mobilizadas para manter a hegemonia do bloco histórico vitorioso após a “Revolução de 1930”. No caso das festas cívicas do 26 de julho, a sociedade civil participa de forma atuante, destacando-se, na organização das comemorações. Dentre suas instituições, podemos apontar: o Centro Espírita “Tomaz de Aquino”; as escolas (Escola de Aprendizes Artífices, Academia de Comércio “Epitácio Pessoa”, Liceu Paraibano, Colégio Diocesano, Instituto Comercial “João Pessoa”, apenas para citar as mais importantes); a Associação Paraibana de Imprensa; a Rádio Tabajara; a Rádio Club da Parahyba; o Jornal A União; a Igreja Católica; os sindicatos e associações (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Cimento, Cal e Gesso, Centro Beneficiente Paraibano, Centro Proletário “Alberto de Brito”, Liga Beneficiente Operária, União Beneficiente do Trabalhador, Aliança Proletária Beneficiente, Sociedade Literária Ruy Barbosa); entidades de Cultura e Desporto (Sport Club “João Pessôa”, Liga Suburbana de Desporto, orfeões, bandas de músicas,etc).
Todos essas instituições, além de participarem das festas na praça pública, também realizavam sessões cívicas no interior de seus recintos. Fazia-se questão de noticiar o ato cívico, pelas páginas oficiais do Jornal A União.
No primeiro ano após a morte de João Pessoa, as comemorações tiveram uma dimensão de largas proporções, certamente porque ainda era bastante recente o fato. Houve programação por uma semana inteira, cada dia reservado a um determinado setor da sociedade. (QUADRO I)
QUADRO I
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PROGRAMAÇAO DA SEMANA DE JOÃO PESSOA (1931)
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DIA INSTITUIÇÃO ATIVIDADE
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19/07/1931 Estudantes e Professores 8h - Partirá do Palácio passeata cívica com o retrato de João Pessoa conduzido pelo interventor Antenor Navarro, a fim de fazer a aposição no Altar da Pátria, em frente à Escola Normal.
9h - Comunidade de professores e estudantes receberá o retrato e fará a aposição. Salva pela bateria de montanha. Uma companhia do 22º BC prestará guarda de honra com a escola de música cantando o hino de João Pessoa e o Nacional.
10 às 14 h- Inaugurações oficiais e placa comemorativa.
15h - Reunião na Praça do Carmo sob a direção do professorado. Todos os alunos de todos os estabelecimentos de ensino.
15:30 h- Partirá da praça a grande passeata cívica de estudantes e professores para desfilarem de frente ao Altar da Pátria. Todos formarão para homenagear João Pessoa, onde falará um representante dos estudantes e outro da comissão organizadora. A banda de música cantará o hino de João Pessoa e a banda de música da polícia tocará o Nacional. Durante todo dia, velará o Altar estudantes e professore.
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20/07/1931 Operários e Trabalhadores 6h - Salva de vinte e um tiros.
6 às 12 h- Inaugurações oficiais.
14h - Inauguração do marco da pedra tosca com inscrição alusiva e também da Praça do Trabalho.
15h - Organização do Préstito cívico
16h - Partida do préstito da Praça do Trabalho a fim de desfilar sobre o Altar da Pátria. Discursos e hinos.
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21/07/1931 Classes Armadas 6h - Içamento da bandeira nos quartéis.
6 às 13 h- Inaugurações das placas da classes.
14h- partida dos quartéis a fim de formarem na rua General Osório de onde desfilará às 16 horas em direção ao Altar da Pátria, onde deve estar o estado maior das forças. Discursos e hinos.
22/07/1930 Mulher Paraibana 8h - Missa na Catedral por almas dos soldados mortos na revolta de Princesa.
8 às 14 h- Inaugurações oficiais, inclusive a de uma cruz na área nova do cemitério, na base da qual será colocada uma pedra, oferta da mulher paraibana em homenagem aos soldados de Princesa.
15h - reunião de mulheres no Parque Sólon de Lucena.
16h - Partida em direção ao Altar da Pátria. Discursos e Hinos.
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23/07/1931 Comércio 6 às 13 h- Inaugurações oficiais.
14h Sessão magna na Associação Comercial e inauguração de uma placa de bronze em uma das colunas da fachada principal do prédio.
16h - Partida do préstito cívico da Associação Comercial com destino ao desfile de fronte ao Altar da Pátria. Discursos e Hinos.
24/07/1931 Funcionalismo Público Até às 13h - Inaugurações oficiais.
14h - Colocação de uma placa no prédio da Empresa de Correios e Telégrafos.
15h - Reunião das classes na Praça Pedro Américo.
16h - Partida em direção ao desfile de fronte ao Altar da Pátria. Discursos e Hinos.
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25/07/1931 Clero e Associações de Caridade 7h - Missa realizada na cadeia pública.
Após a missa, uma comunidade de mulheres colocará no peito dos detentos uma pequena bandeira do “Nego” com o retrato de João Pessoa.
Até 14 h - Inaugurações oficiais.
15h - Reunião em frente a Catedral.
16h - Partida das “classes dos pobres” acompanhando o clero e associados da UMC em direção ao Altar da Pátria. Discursos e Hinos.
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26/07/1931 8h - Inauguração do Hospital de Isolamento.
10h - Inauguração do pavilhão do Chá.
14 h - Reunião de todo povo na Praça da Independência em frente a casa que morou João Pessoa. Na ocasião falou o padre Matias Freire. Desfile das bandas de música e corporações militares até a Praça João Pessoa onde às 17:23 h, tocará por trinta segundos sirene de A União, anunciando a hora em que morreu o presidente, afim de se guardar um minuto de silêncio. Hinos. Fala o interventor Antenor Navarro. Hino Nacional.
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Fonte: Jornal A União, 18 jul.1931, grifos nossos. Quadro elaborado pelo autor. Os erros vernaculares foram mantidos tais como constam no documento, pois, ao elaborarmos o quadro, mantivemos a programação tal qual está na fonte. Preferimos esse procedimento para não inflacionar o texto de sic.
O quadro acima evidencia o quanto a festa tinha objetivos de construir uma coesão social. A praça pública tornou-se um espaço de pretensa unidade e, ao mesmo tempo, de segmentação. Isso porque o Estado, com o fim de tornar coletiva a memória de João Pessoa, e assim, buscar legitimar-se, procurava apoio nos diversos segmentos sociais. Interessante observarmos a teia de relações institucionais construída no momento de comemoração cívica do 26 de julho. Poderíamos resumir dessa forma: escola-Estado, sindicatos-Estado, militares-Estado, Associação Comercial-Estado, Funcionários públicos-Estado e Igreja Católica-Estado. Nessa teia de relações, havia espaços que funcionavam de forma simbólica. Como vimos no quadro acima, cada dia estava reservado à comemoração por parte de determinados setores da sociedade. Sendo assim, cada grupo social, ao realizar a romaria ao Altar da Pátria, partia de um espaço material e simbolicamente representativo de seu grupo e/ ou classe. Por exemplo: os estudantes, professores e diretores ficavam próximos ao Altar da Pátria, de fronte à Escola Normal, a fim de recepcionarem o interventor e sua comitiva oficial, que traziam a efígie de João Pessoa para colocá-la no referido altar. Os operários e trabalhadores, de um modo geral, partiam da Praça do Trabalho; as “classes armadas” tomavam como ponto de partida os quartéis; os comerciantes, por sua vez, saiam da Associação Comercial; o clero e Associações de Caridade reuniam-se na catedral; todos em direção ao Altar da Pátria, rumando ao encontro da efígie do mito João Pessoa e dos representantes do Estado que lá estavam.
Se o objetivo dos organizadores das festas era promover a coesão social em torno de um elemento congregador, o culto à memória de João Pessoa, por outro lado, podemos perceber nitidamente a segmentação social, demonstrada pela programação, cada qual no seu canto, em seu lugar institucional mas de acordo com uma “ordem”.
A maior demonstração dos usos político-ideológicos das festas cívicas do 26 de julho pode ser vista na idéia de continuidade histórica da obra de João Pessoa. Ao passo que se cultuava o mito, também se homenageava os governantes da época, como seguidores das práticas “modernas” de administração do presidente morto. No Jornal A União, podemos observar que, ao lado da fotografia de João Pessoa, estava o interventor federal que estivesse no cargo, na ocasião. Celebrava-se o morto e homenageava-se o vivo, aquele que podia realizar a “grande obra” do presidente João Pessoa. Também podemos ver, sobretudo nos primeiros anos das comemorações do 26 de julho, os governantes aproveitando o feriado mítico para inaugurações de obras, mais precisamente, aquelas que João Pessoa iniciara. Na semana de comemorações em 1931, no dia 26 de julho, o interventor Antenor Navarro inaugurou o Pavilhão do Chá e a Ponte do Mulungú, divulgou a continuidade da construção da obra do Hotel Parahyba e assinou o contrato para a construção do Porto de Cabedelo, todas as obras, apostas no periódico oficial como a continuação do programa de governo de João Pessoa.
As comemorações, porém, não se restringiam à Paraíba. Na capital federal, o Presidente da República, Getúlio Vargas, e comitiva faziam uma romaria ao cemitério São João Batista, cultuando a memória de João Pessoa, diante do monumento erguido em homenagem ao ex-presidente da Paraíba.
A partir de 1932, as festas eram realizadas apenas no dia 26 de julho, em diversas instituições, e em vários municípios paraibanos. A programação se iniciava com a “missa de réquiem”, seguida de uma romaria em direção ao Altar da Pátria.
Nesse ano, o 22º BC, símbolo da tomada do poder em 1930, quando os insurretos iniciaram o movimento na Paraíba, desfilou nas ruas do Rio de Janeiro entoando o hino de João Pessoa. Pelo que podemos analisar, tomando como contexto a rebelião paulista de 1932, a memória do ex-presidente paraibano era por demais utilizada como demonstração de apoio do Norte ao governo Vargas. De modo que, do ponto de vista simbólico, o desfile representava de que lado estava a Paraíba naquele conflito, o apoio a Vargas, que se fez, inclusive, no plano militar, quando o interventor Gratuliano de Brito enviou tropas da Polícia Militar da Paraíba a fim de combaterem os paulistas.
O Altar da Pátria se constituiu como lugar sagrado e cívico, santificando João Pessoa para legitimar seus herdeiros políticos no controle do aparelho de Estado paraibano. As pessoas adoravam o altar de João Pessoa, tal qual adoram, nas igrejas, o Santíssimo Sacramento.
Como podemos ver na fotografia abaixo (nº 14) tratava-se de uma construção imponente, iluminada, na qual, na base, se encontrava uma imensa efígie de João Pessoa. No centro, podemos ver a Bandeira do Nego, já no seu formato atual, como uma representação da Paraíba sobressaindo-se perante os demais estados que se encontram, ordenadamente, em placas, na torre do referido altar. É um símbolo do nacionalismo varguista, da pretensa união dos estados em torno do projeto desenvolvido por Getúlio, após o movimento de 1930, e a reestruturação do novo Estado nacional brasileiro.
Na frente do Altar, havia sempre uma cena de ritual de pessoas desfilando à sua frente, parando para reverenciarem a memória do ex-presidente. É um rito cívico, mas com características cristãs, uma vez que se assemelha à adoração do Santíssimo Sacramento, exposto no Altar.
Em 1933, devido à proximidade da inauguração do monumento a João Pessoa, o qual analisamos no segundo capítulo, a comemoração oficial ocorreu de forma mais simples, resumindo-se à tradicional “missa de réquiem”, romaria ao Altar da Pátria e discursos. De 1934 a 1945, após a celebração religiosa na catedral, a romaria tomava o rumo da Praça João Pessoa, comemorando ao pé do monumento do ex-presidente. “Cada cidadão permanecerá ao pé da estátua cerca de meia hora, em turmas previamente organizadas”, (Jornal A União, 23 jul. 1935, capa), sendo que havia inscrições, na sede do jornal oficial do governo, para quem se dispusesse a participar do ritual da guarda ao monumento.
No entanto, podemos registrar que, além de instituições (Centro Cívico “João Pessoa”, Associação Parahybana pelo Progresso Feminino, entre outras), constam nomes de famílias de destaque na sociedade paraibana, como, por exemplo, Samuel Hardman Norat, Augusto Santa Rosa, João de Castro Pinto, Severino Procópio, José Leal e o próprio Ademar Vidal, um dos intelectuais construtores da memória sobre João Pessoa.
Após esse breve histórico, retomamos à questão da sociedade civil paraibana e à reprodução da ideologia dos grupos dominantes, utilizando as festas cívicas de forma pedagógica.
Vamos começar com a imprensa. A Rádio Tabajara, órgão estatal, criada em 1937, durante o governo Argemiro de Figueiredo, além de transmitir, ao vivo, toda a programação dos festejos do 26 de julho, na praça pública, dedicava um programa em homenagem a João Pessoa, intitulado “A Hora do Grande Presidente”. Em alguns municípios do interior, a transmissão de suas festividades era operada pela tradicional difusora local. Além do rádio, que se constituía como veículo de propaganda oficial, também atuavam os jornais, merecendo destaque o estatal A União e o jornal católico A Imprensa. Pelo que pudemos averiguar no trabalho de investigação que realizamos, sobretudo no primeiro, a partir do dia 23 de julho de cada ano, o periódico iniciava as notícias das comemorações, com convite do governo e do Centro Cívico e sinalizando com a programação. Passado o dia 26, continuava a divulgar matérias sobre o evento, inclusive, transcrevendo cópias de telegramas recebidos de demais municípios, comunicando sobre a realização de rituais cívicos. Nos primeiros anos, o Jornal A União ainda trazia, na primeira página, a foto do ex-presidente João Pessoa, de corpo inteiro.
Santana (1999, p. 246) realça o papel da imprensa no governo Argemiro de Figueiredo (1935-1940), melhorando o parque gráfico do Jornal A União, inaugurando a Rádio Tabajara e criando serviços radiofônicos nos municípios paraibanos, transmitindo sua palavra meia hora antes do programa “Voz do Brasil”. A autora ainda destaca trecho de um discurso de Argemiro, no qual enfatizava o papel educativo da referida emissora de rádio.
As religiões também se colocavam como aparelhos ideológicos, nesse particular. Além do Centro Espírita “Tomaz de Aquino”, que realizava sessão solene naquela instituição, era a religião Católica o grande baluarte das comemorações cívicas. Nesse momento, a instituição vinha em processo de reconciliação com o Estado, após a “separação” ocorrida legalmente com a Constituição de 1891. No início da Era Vargas, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, que defendia uma escola laica, pública, gratuita e nacional, verificou-se a oposição de setores católicos, como era de se esperar. Entretanto, no ministério de Capanema, Estado e Igreja Católica se reaproximaram. (BITTENCOURT, 1990, p. 24).
Poucas eram as solenidades que não começavam por uma missa pela alma de João Pessoa. O início da programação das festas na capital sempre se dava com a “missa de réquiem”, assim que amanhecia o dia 26 de julho. Na maioria delas, era o próprio arcebispo, o celebrante. Da catedral metropolitana, autoridades e população realizavam uma romaria em direção ao monumento do ex-presidente.
A preocupação com as classes trabalhadoras, por parte do governo, fica evidente no tocante à participação de associações e sindicatos na programação cívica do 26 de julho. Reproduzindo o que ocorria a nível nacional, o Estado se colocava como arbítro das questões envolvendo patrões e empregados, justamente para evitar a luta de classes. Igreja, Estado, escolas, meios de comunicação, etc, se encarregavam de difundir a propaganda anti-comunista e veicular como “ideal” os princípios totalitários circulantes no cenário internacional.
Em diversos municípios da Paraíba, no auge do argemirismo, foram implantadas Comissões Nacionais de Propaganda Sisthemática contra o Comunismo, das quais muitos membros eram professores, médicos, padres, jornalistas, advogados, dentre outros profissionais liberais. (SANTANA, 1999, p.238/239).
No primeiro ano da comemoração, o proletariado prestou homenagem à memória de João Pessoa, ao colocar, na Praça do Trabalho, um bloco de pedra pesando vinte e duas toneladas. Neste bloco, foram apostas uma coroa de louro e uma placa de bronze, cujos dizeres aludiam à homenagem dos trabalhadores paraibanos ao presidente morto. Houve uma solenidade, inclusive, com a participação do interventor, ao transportar-se o referido bloco da estação da “Great Western” para a citada praça.
Gurjão (1994) ressalta que as relações entre os trabalhadores operários e os dois primeiros interventores ocorreram, relativamente, de forma amistosa, tendo se alterado a partir de 1934/1935, durante o governo de Argemiro de Figueiredo. Para a autora:
(...) o culto à memória de João Pessoa de certa forma, unia a classe subalterna ao projeto político da interventoria. Acrescente-se o impacto das obras contra as secas e a decretação das leis trabalhistas como instrumentos de persuasão incutindo a imagem do Estado protetor. (GURJÃO, 1994, p.150)
Logo após o movimento de outubro de 1930, a interventoria promoveu um Congresso Operário, cuja abertura foi solenemente revestida de uma homenagem à memória de João Pessoa. O Jornal A União (9 nov. 1930) assim se reporta àquele momento:
Instalação onte-ontem no Teatro Santa Rosa do Congresso Proletário, na ocasião o retrato de João Pessoa envolvido com os pavilhões da República e da Paraíba, occupava no recinto o logar de maior destaque. O senhor Fiúza Lima, que presidiu a sessão, pediu que todos permanecessem de pé, por um minuto, em silêncio como homenagem ao grande e inolvidável estadista sacrificado pela inveja e pelo ódio dos poderosos de então e ainda como reverência a memória dos proletários mortos na Revolução.
Fazemos coro com Gurjão (1994, p. 117), ao demonstrar o quanto a memória de João Pessoa era utilizada, ideologicamente, como forma de unir a classe subalterna ao projeto político do bloco dirigente. A legislação trabalhista se encarregara de consolidar a cooptação do operariado. Quanto aos trabalhadores do campo, as “obras contra as seca” funcionavam de modo a expressar a imagem paternalista do Estado e construir a imagem de Vargas e José Américo como “pais dos pobres”.
Pelo visto, e pesquisado, sempre as classes trabalhadoras participavam da festa oficial. Em 1937, na efervescência da repressão e às vésperas do golpe do Estado Novo, o Centro Beneficiente Paraibano se fizera representar nas comemorações, por intermédio de um discurso de Lourenço da Graça, orando como representante do operariado. Repetiu a participação nos anos de 1938 a 1943, até onde pudemos apurar. Assim, parece procedente a afirmativa de Gurjão (1994, p. 169), ao assegurar que
(...) dirigentes de entidades operárias, a partir de então (período da repressão argemirista), sempre aparecem nas cerimônias oficiais, ao lado das autoridades, cooptados, portanto, pelo regime, fornecendo a impressão de que ele contava com o respaldo popular. Complementando o trabalho ideológico, constantemente eram realizadas conferências nas escolas, nas associações operárias etc, como parte da intensa campanha cultural contra o bolchevismo. (Grifos nossos).
Exemplo mais significativo foi a participação do líder do Partido Comunista, na Paraíba, João Santa Cruz de Oliveira. Nas comemorações de 26 de julho de 1938, às 18 horas, fechavam a solenidade oficial, na Praça João Pessoa, os discursos de João de Deus Mindêllo, Luis Pinto e João Santa Cruz de Oliveira. Estava o comunista participando da mesma festa organizada pelo interventor Argemiro de Figueiredo, três anos depois de ser preso por este, na chamada Intentona Comunista.
A arte também cumpriu seu papel nas festividades do mito João Pessoa. O cinema, por exemplo, ao mesmo tempo veio reafirmar com louvor a memória do ex-presidente. Nas comemorações de 1935, foi exibido, nos cinemas da capital, o filme “A vida pela liberdade”, película que documentava os acontecimentos vividos em 1930. O porta-voz oficial assim se reportava sobre a exibição;
A fim de exhibir num dos nossos cinemas o film “A Vida pela Liberdade” encontra-se nesta capital, vindo da Bahia, o Sr. Alcides de Souza. Essa pellicula, que docummenta os acontecimentos que encheram dias de agitação e de soffrimentos, vividos pela Parahyba, merece ser vista pela população pessoense, que venera a memória do seu Grande Presidente. (Jornal A União, 24 jul. 1935, capa)
No dia seguinte, o jornal oficial noticiava mais uma nota sobre os usos do cinema na socialização da memória histórica de João Pessoa. Anunciava que, no Cinema “Rio Branco”, por deliberação do seu diretor, Einar Svendsen, seriam projetadas as películas dos funerais de João Pessoa bem como das suas viagens aos estados de São Paulo e Minas Gerais, durante a campanha da Aliança Liberal. Em 1939, o filme dos funerais voltou a ser exibido, conforme divulga o periódico estatal.
Assinala Ozouf (1988, p.219) que
(...) as festas da Revolução são festas faladas, muito mais do que festas mostradas ou representadas (...) Acolhem intermináveis discursos, encarregados de precisar seu alcance histórico. São sempre cuidadosas em limitar o desvio da interpretação, confiando a uma guarnição de cartazes e bandeiras, nos seus cortejos, o sentido dos grupos que desfilam. (...) A decoração, pouco confiante em sua pedagogia tácita, necessita de palavras para estabelecer sua adequação à cerimônia. Sente-se que importa menos a essas festas renovar uma emoção do que fixar uma narrativa. (Grifos nossos).
Evidentemente que a autora está se referindo às festas de comemoração da Revolução Francesa. Isso não implica dizer que não possamos pensar o caso da “Revolução de 1930”, à luz desse referencial. Talvez possamos fazer um reparo à frase final da citação, no sentido de que se renovava a emoção social para fixar a narrativa.
Comemorar João Pessoa e a “revolução”, anualmente, no 26 de julho, passava por práticas festivas demasiadamente faladas. O poder da retórica se fazia operante no sentido do fazer crer. Em todos os espaços institucionais, desde a pregação do arcebispo, passando pelas preleções escolares e a festa na Praça, havia uma numerosa gama de discursos. No entanto, como fez notar Ozouf, as palavras não eram pronunciadas sem um acompanhamento decorativo, os símbolos e o embelezamento da festa funcionavam de forma a se juntarem ao poder das palavras, no sentido de fixar a narrativa e assegurar a compreensão da mensagem.
Pelo que podemos perceber, da documentação colimada, os custos financeiros das festas cívicas do 26 de julho não eram ônus apenas do aparelho de Estado. Havia contribuições de toda parte. Em 1931, por exemplo, os funcionários da Prefeitura da Capital, da alfândega, os operários da Pedreira Cobé, estavam na lista de “patrocinadores” da Semana de João Pessoa. Os grupos populares, quando não contribuíam diretamente com as festividades, empenhando determinadas quantias, acabavam arcando com os custos de uma consolidação da memória histórica, cujos objetivos eram legitimar um governo das elites. Isso porque havia uma mercantilização de símbolos, a fim de cobrir as despesas com a construção de lugares de memória. A título de exemplos, cabe-nos citar a venda do retrato de João Pessoa para ser utilizado nas lapelas, e de bandeirinhas do “Nego”, cujos recursos, em tese, destinavam-se à construção do arco do triunfo. Também com o mesmo destino, foram postos à venda 800 folhetos biográficos de João Pessoa, de autoria do Dr. José Euclides.
O Jornal A União também traz as seguintes notas publicitárias: “A manteiga ‘JOÃO PESSOA’ encontra-se á venda em toda parte”; (A União, 28 jul. 1932, p.8) “Comer só manteiga ‘JOÃO PESSOA’ é ter amor á saúde;” (Jornal A União, 28 jul. 1932, p. 12) “Addicione todas as manhãs ao café, um pouco de manteiga ‘JOÃO PESSOA’ e verão que bebida deliciosa.” (Jornal A União, 28 jul. 1932, p. 10) Deduzimos, pois, que devia se tratar de um pequeno negócio privado, mas que se apropriou da marca simbólica de poder preponderante naquele momento. Devem os liberais tê-la consumido demasiadamente!
O livro “Do Grande Presidente”, de Ademar Vidal, editado pela Gráfica Oficial, foi posto no mercado com o faturamento destinado ao Orfanato D. Ulrico.
ESCOLA, FESTA CÍVICA, COMEMORAÇÃO
Com relação às escolas, assim como Gramsci resultou, as consideramos aparelhos ideológicos por excelência. No livro Os Intelectuais e a Organização da Cultura, o autor apresenta a tese central, definindo os intelectuais como um grupo social autônomo, com uma função social de porta-vozes dos grupos ligados ao mundo da produção.
O estudo da escola em Gramsci (1989, p. 15) não está separado do conjunto de seu pensamento. A instituição escolar era entendida como um "aparelho privado de hegemonia". A compreensão gramsciana de escola é de que esta estava direcionada para a construção de uma nova moral e uma nova cultura da classe subalterna, de modo a assegurar maior hegemonia sobre as demais classes e, conseqüentemente, na perspectiva da conquista do Estado. Por isso, entendia ser necessário romper com a subordinação intelectual e ideológica das classes subalternas, que se tornavam aliadas da cultura dominante ao reproduzirem sua ideologia. Ora, isso ocorria porque as concepções de mundo dos subalternos eram fragmentárias, assistemáticas e desorganizadas, constituindo o que se denomina de senso comum, produzido a partir da experiência cotidiana desses segmentos, que enfrentam conhecimentos ou saberes organizados e sistematizados dos grupos hegemônicos, de que é exemplo a memória de João Pessoa.
Rompido com o modelo do marxismo soviético da II Internacional, Gramsci não se prende ao determinismo econômico e vai trabalhar no campo da cultura, trazendo, nessa esteira, a discussão sobre os intelectuais e o papel da escola na construção da hegemonia e da contra-hegemonia.
À luz desse referencial, podemos pensar o papel das instituições escolares na disseminação da ideologia do Estado que se estrutura após 1930. A escola, sem dúvida, será um aparelho privado de hegemonia de grande força no tocante à socialização da memória de João Pessoa, de modo a legitimar a ordem e as diferenças sociais em nome de uma pretensa coesão social. Sobre o papel que as escolas paraibanas desempenharam na socialização da memória da “Revolução de 1930”, falamos a seguir.
Por meio do Jornal A União, o Diretor do Departamento de Educação do Estado da Paraíba divulgava nota convidando os diretores dos grupos escolares e regentes de escolas para participarem de reuniões, em seu gabinete, a fim de traçar o programa das comemorações do 26 de julho. Também convidava as escolas, públicas e privadas, a participarem dos festejos. A programação variava, desde conferências, teatro, palestras, sessões cívicas, realizada nas próprias instituições escolares, até a participação dessas últimas na festa oficial da praça pública. A título de programação interna de uma escola, vejamos um exemplo do município de Sapé, governado, à época, pelo prefeito Osvaldo Pessoa, irmão do ex-presidente homenageado:
1º- Hino a João Pessoa
2º- Discurso da Professora Maria das Dores Silveira
3º- Conferência com o Sr. Alzir Pimentel
4º- Saudação a João Pessoa- José Pinto
5º- Que será- Violeta Dalva
6º- A Pátria- Por um grupo de alunos
7º- O Credo- Bejanita Melo
8º- Saudação à Bandeira- Rosilda Freitas
9º- Herói- Arnóbio Cavalcanti
10º- Hino Nacional
(Jornal A União, 30 jul. 1942, p. 5)
Interessante notarmos que a comemoração se iniciava com o Hino de João Pessoa e se encerrava com o Hino Nacional. Homenageava-se o “herói”, mas, por outro lado, não se deixava por menos o culto à Pátria. A partir de 1937, com o Estado Novo, os símbolos estaduais foram proibidos de serem ostentados, de tal forma que, nas festas cívicas do 26 de julho, havia a sobrevalorização da Bandeira e do Hino Nacional, com vistas a aguçar o sentimento de brasilidade, de união nacional.
Entrevistando a professora Maura Tavares, do município de São João do Cariri, pudemos perceber outro método utilizado para comemorar o mito João Pessoa. Comenta a professora aposentada que
Sempre fazia, 26 de julho, sempre comemorava. Eu pelo menos fazia uma pecinha teatral dava aquela aula naquele dia e dali comentava com os alunos, um ia ser João Pessoa outro ia ser o fulano de tal Dantas, tou esquecida, outros ficavam ali como se estivesse num barzim, eu sei que enfrentava uma pecinha (...) e fazia (...). Comemorava essa data sempre (...) que era uma data cívica também como o sete de setembro como o dia de Tiradentes porque ele foi um herói que morreu pela Paraíba. Não devia ter matado, mas infelizmente no nosso país é assim.
Ainda no que diz respeito a metodologias utilizadas nas escolas, com a finalidade de comemorarem o feriado do 26 de julho, e reiterarem a memória de João Pessoa, o governo legislava, obrigando a realização de preleções nos estabelecimentos de ensino, objetivando “ressaltar as atitudes patrióticas do Grande Paraibano.” (Jornal A União, 25 jul. 1942, p. 6). Legislava, ainda, no sentido de criar recursos didáticos, a exemplo do retrato do presidente morto, considerado, desde 1930, material didático para às aulas de educação moral e cívica (Jornal A União, 8 out. 1930) e deliberando sobre a publicação de um livro didático destinado às escolas públicas, dele constando relato biográfico sobre João Pessoa. (Jornal A União, 14 nov. 1930).
O Jornal A União publicou uma exposição feita pela professora Ezilda Milanez Dantas aos alunos do Grupo Escolar “Álvaro Machado”, em Areia, por demais ilustrativa da socialização da memória oficial da “Revolução de 30”, na escola primária. O que vemos, a seguir, é um direcionamento metodológico para a reprodução da ideologia/história oficial, senão vejamos:
Hoje é feriado nacional... e tive o prazer de ser a escolhida para vos falar sôbre essa data. Quereis que vos faça um discurso ou vos conte uma história?
ALUNOS: queremos uma história...
Bem comumente as histórias dos meninos, começam por “Era uma vez...”
E, não querendo me afastar disso, começo do mesmo modo. Prestem bem atenção!... é uma história simples, porém repleta de grandes e belos exemplos e heróicos desenlaces!...
ERA UMA VEZ... um pequeno menino muito estudioso, inteligente e bom...
Era pobrezinho e estudava com muito sacrifício.
Nunca soubbe o que era felicidade, se a sua infância foi sem alegrias, a sua juventude foi rude e amarga!... mas êlle não desanimou, sempre forte, sempre a enfrentar as dificuldades que lhes surgira. (sic)
E assim foi indo dia a dia, ora dormindo ao relento aos embates das ondas, ora doente ao abandono, sem o carinho de um coração amigo, até que arrumado um emprego conseguiu mais tarde tornar-se doutor.
Agora formado ei-lo a fazer jus a ótimos empregos.
Conseguiu, portanto vencer na vida!...
O sofrimento da sua infância e as grandes dificuldades com que se viu a braços na sua juventude, foi o bastante para dotal-o de um caracter firme e sem mácula e de uma força moral que bem poucos têm conseguido possuir nos grandes momentos precisos!...
Agora tudo lhe sorria: via-se cercado de uma esposa dedicada e de seus filhinhos que o veneravam; não lhe faltando amigos e... tudo enfim, que pode satisfazer um espírito que não fosse o seu, pois não era egoísta.
Se já havia vencido uma vez, podia por-se a campo novamente, auxiliando e dando um exemplo aos demais homens, e, vencer uma segunda, uma terceira vez.
Então meus caros alunos, o menino de nossa história, agora homem feito, forte, sincero, destemido, apanhou-se para uma nova luta.
E abandonando o lar felis, os amigos, as honras e todas as comodidades de que gosava, arrojou-se a sua nova empresa. ERA UM NOVO BANDEIRANTE que ia surgir!...
Porém muito mais intrépido do que aqueles que haviam explorados os nossos sertões, incógnitos, porque a sua bandeira compunha-se exclusivamente de sua pessôa e trazendo apenas como armas, a sua força moral e o seu critério.
A sua bandeira não vinha em busca de escarvisar (sic) índios, nem caçar pedras preciosas; o seu ideal era outro!...
Para campo dos seus trabalhos, não procurou os grandes centros populosos mas a sua terra natal, uma TERRA PEQUENINA E BOA. (Jornal A União, 26 jul. 1931, p. 19, grifos nossos)
O documento é muito rico para análise. Sugere um cotejo da versão construída pela professora de Areia com os dados biográficos sobre João Pessoa. As maiúsculas do texto também são muito sugestivas. Comparar João Pessoa a um bandeirante talvez não agradasse ao homenageado, que lutara contra a hegemonia paulista. Uma outra característica ressaltada é a configuração do “herói’ que luta sozinho.
A professora continua a “historinha”, destacando a “boa administração” de João Pessoa, no governo paraibano (1928-1930). Utilizando figuras de linguagem, assim se expressa, ao falar da formação da Aliança Liberal:
Mas um dia, caros mininos, (sic.) tudo mudou! O dono da TERRA GRANDE onde a terra pequena estava encravada impôs a todos um novo dono para a terra grande que era repartida entre vinte terrenos (...). O povo da terra pequena, já acostumado a repelir imposições, como a dos holandeses, a dos portugueses, a dos paraguaios, uniu-se aos habitantes de outras duas terras maiores e não aceitaram a imposição do novo dono. O nosso administrador foi o primeiro a exclamar: NEGO o meu apoio e o da minha terra pequenina, por isso o homem mau, dono da Terra Grande fez cair todo seu ódio sobre o nosso bom administrador (...). E qual um novo Vidal de Negreiros tornou-se um invencível GUERRILHEIRO. (Jornal A União, 26 jul. 1931, p. 19)
Esse documento vem, mais uma vez, reiterar a identidade do paraibano como “povo bravo e resistente” desde os tempos coloniais. Um povo que teria demonstrado esses atributos na luta contra os holandeses e portugueses, durante o período colonial, e contra os paraguaios, durante o império. Mais uma vez, sobressaia-se na valentia, agora, no combate ao “dono” da “terra grande” (governo federal encarnado no presidente Washington Luís e no novo dono imposto, isto é, Júlio Prestes) que não “respeitava” a autonomia da “terra pequena”, uma vez que sinalizava com uma intervenção federal. João Pessoa é comparado a André Vidal de Negreiros, tendo em vista o “heroísmo” advindo do gesto do “Nego”, uma vez que foi o pioneiro a enfrentar o Catete. O deslocamento discursivo é impressionante: João Pessoa vira guerrilheiro!
Evidencia-se, com bastante ênfase, a idéia da Paraíba como um estado pequeno e pobre, mas que se fez grande pelos gestos de magnanimidade de seu povo, por intermédio de seu comandante. Não é a toa que Maurício de Lacerda, nome expressivo da Aliança Liberal, a nível nacional, comparou a Paraíba, em 1930, à Sérvia em 1914, denominando-a de “Serajevo Brasileira” (Jornal A União, 26 jul. 1931, p. 10).
Continuando a atividade de socialização da memória histórica dos vencedores de 1930, a professora narra a morte de João Pessoa com o seguinte teor:
Estava elle um dia a tarde a conversar despreocupadamente, com alguns amigos, numa das Terras Vizinhas que auxiliava os quilombos, quando uma bala, surpreendeu-o e prostou-o ferido da morte!... O nosso grande heróe que por sua terra tornou-se MARTIR era uma bôa estrela que nos guiava no caminho da Ordem e Progresso... (Jornal A União, 26 jul. 1931)
Uma leitura acurada desse trecho da palestra da professora demonstra, nitidamente, a construção da martirização do ex-presidente paraibano, tomando por base a sua morte. Teria, João Pessoa, sido pego de surpresa, na Confeitaria Glória, sem poder se defender, morrendo de forma traiçoeira. Outro ponto significativo, exposto no documento, é a forma como essa memória oficial vai definir o papel de Pernambuco naquela conjuntura histórica. Serão reafirmadas as vinculações do presidente pernambucano Estácio Coimbra, com o governo Washington Luis e com o grupo político organizador da Guerra de Princesa, através da imagem alusiva à terra vizinha que auxiliava os “quilombos de Princesa”, ou melhor dizendo, os “desordeiros”, revelando a visão estigmatizadora da professora em relação os negros escravos. A historiografia oficial sublinha, com bastante ênfase, os embargos e proibições de entrada de armas e munições para o governo paraibano, por território pernambucano, ao tempo que o governo deste estado criava facilidades para os rebeldes de Princesa Isabel. Os perrepistas são comparados aos quilombos, por serem “arruaceiros”.
Nesse documento, também podemos observar o modelo de História factual dos “vultos” e “heróis”, inaugurado nas escolas, durante o século XIX, tomando por base o ensino no colégio Pedro II. Os sujeitos da História, segundo esse pressuposto teórico, eram os “grandes homens”, responsáveis pela condução do povo ao estágio do “progresso” e da “civilização”. João Pessoa aparece no relato como o guia, a estrela-guia a iluminar o caminho do povo na ordem e no progresso.
Voltando à questão da referida atividade pedagógica, comemorativa do aniversário de morte de João Pessoa, a professora, utilizando o método da memorização mecânica, enveredou pelo caminho da sabatina, como podemos notar a seguir:
Agora que terminei a nossa história, quero saber se vocês compreenderam-na?
Quem era esse minino (sic.)que se tornou bandeirante?
Alunos- JOÃO PESSOA.
Qual era a terra pequenina que ele tornou grande?
Alumnos- O Estado da Paraíba.
O que ele exclamou quando o dono da Terra Grande impôs um novo dono?
Alunos- NÉGO...
Qual era a Terra Grande?
Alunos- O BRASIL... ... ...
Quaes são os discípulos de João Pessôa?
Alunos- Os que sabem bem governar com honradez e critério como José Américo etc.
Onde nasceu José Américo?
Alunos- Em AREIA.
Muito bem vocês devem se tornar bons discípulos de João Pessoa e dignos conterrâneos de José Américo.
(Canta o hino de João Pessoa)
Areia, 22 de julho de 1931.
Ezilda Milanez Dantas Professora do 6º Anno do G.E Álvaro Machado. (Jornal A União, 26 jul. 1931, p. 19)
Como faz notar Bittencourt (2004, p. 68), “A memorização era a tônica do processo de aprendizagem e a principal capacidade exigida dos alunos para o sucesso escolar”. Os métodos de ensino baseados na memorização correspondiam a um entendimento de que “saber história” perpassava pelo domínio de muitas informações, sabendo de cor os acontecimentos, as datas e nomes de “heróis”. Não obstante tais métodos sofrerem críticas, já no século XIX, de autores como Montessori, os chamados métodos ativos só iriam se configurar, na prática, após os anos de 1930. No entanto, no interior da Paraíba daqueles anos, vigoravam as velhas práticas escolares.
A autora citada utiliza o conceito de circularidade cultural para analisar os métodos mnemônicos impregnados na cultura escolar. Para ela, a sociedade brasileira tem se caracterizado pelas tradições orais. Repetiam-se contos e histórias para criança dormir, os serões nas fazendas e nos púlpitos das igrejas, com os sermões dos vigários. No entanto, quando nasce a instituição escolar, propondo uma forma de comunicação escrita, “Os métodos criados pela escola foram obrigados a submeter-se a mecanismos já existentes para imporem o saber que ela pretendia disseminar”. (BITTENCOURT, 2004, p.72). Assim, a cultura escolar/escrita filtrará características da cultura oral, tradicionalmente arraigada nas sociedades, para utilizar métodos como a aula expositiva e o questionário, tendo os alunos a obrigação de decorarem as questões para responderem, de forma oral e/ou escrita, nas sabatinas da vida.
Mas uma verdadeira aula de campo era apresentada na Praça João Pessoa, antes de 1933, ao pé do Altar da Pátria e depois, do próprio monumento do ex-presidente. Alunos, professores e diretores assistiam a “missa de réquiem”, depois peregrinavam, em romaria, da catedral metropolitana à praça. Lá desempenhavam diversas atividades: os alunos jogavam flores ao pé do Altar da Pátria ou do monumento, cantavam o Hino de João Pessoa; professores discursavam; os orfeões do Liceu Paraibano, da Escola Normal e do Colégio Diocesano, sob a regência do maestro Gazzi de Sá também entoavam o hino de João Pessoa e o Nacional.
Em artigo para o Jornal A União, datado de 14 de setembro de 1930, Rafael Correia de Oliveira afirma que, no dia anterior, ouvira, na Assembléia Legislativa, o deputado João Maurício, em conversa, defender a idéia de que a “Paraíba nova”, ao ter nova bandeira, deveria, também, ter um novo hino. Ele fala da cogitação de um concurso para esse fim, cuja melodia e letra deveriam ser compostas por “notas agudas e imperativas, estrophes flammejantes de bravura e revolta, traços profundos da mentalidade pahaybana no instante máximo de seu nolve e destemeroso sacrifício”. Entretanto, no projeto de lei que instituía a nova bandeira paraibana, havia um artigo que ressaltava a permanência dos demais símbolos da tradição antiga: hino, brasão e escudo.
A despeito desse dispositivo conservador, uma nova tradição foi inventada, criando-se um hino especialmente dedicado a João Pessoa. Em 22 de setembro de 1930, pouco mais de um mês após a morte do ex-presidente, o hino em sua homenagem já tinha sido gravado em disco de vinil, lançado pela Casa Edison, no Rio de Janeiro. Como a Aliança Liberal ainda não havia tomado o poder na capital federal, o que só viria a ocorrer em 24 de outubro seguinte, a polícia compareceu às casas dos vendedores, aconselhando-os a não venderem o produto. Mesmo assim, algumas delas, descumprindo os apelos militares, continuaram a comercializá-lo. O Hino de João Pessoa tem música de Eduardo Souto e letra do poeta pernambucano Oswaldo Santiago, conforme transcrito a seguir:
I
Lá do Norte um herói altaneiro,
Que da Pátria o amor conquistou,
Foi um vivo farol que ligeiro
Acendeu e depois se apagou.
Estribilho
João Pessoa, João Pessoa
Bravo filho do Sertão,
Toda Pátria espera um dia
A tua ressurreição.
João Pessoa, João Pessoa
O teu vulto varonil
Vive ainda, vive ainda
No coração do Brasil.
II
Como um cedro que tomba na mata,
Sob um raio que em cheio o feriu,
Assim ele ante a fúria insensata
De um feroz inimigo caiu.
III
Paraíba o rincão pequenino,
Como grande este homem te fez,
Hoje em ti cabe todo o destino
Todo orgulho da nossa altivez.
Na letra, os autores iniciam com um discurso regionalista, associando o herói à sua região de origem. Ao mesmo tempo, recuperam a frase de Euclides da Cunha, na qual o escritor valorizava a fortaleza e a bravura do “homem sertanejo”, para se remeterem a João Pessoa, como sertanejo do município de Umbuzeiro. Outro traço marcante, na composição do hino, é a associação entre João Pessoa e Jesus Cristo, aludindo a “sua ressurreição”. Ao final, fica evidente a reiteração da paraibanidade, da idéia de uma “Paraíba pequena e heróica”, brava e resistente, que se fizera grande pelas mãos de seu “herói”, “herói” esse que, de “tão grande”, virou nacional.
O Hino de João Pessoa estivera afinado na ponta da língua de estudantes, professores, autoridades políticas e militares, intelectuais e a população, de um modo geral. Também esteve afinado no sopro das filarmônicas e orfeões espalhados por toda a Paraíba. Além dos orfeões das principais escolas da capital, aos quais nos referimos em momento anterior, as filarmônicas municipais também participavam das festas comemorativas do 26 de julho, como veremos no depoimento a seguir. Indagada sobre a “Revolução de 1930”, no município de São João do Cariri, a entrevistada Edite Cordeiro de Souza78 relatou:
Ah num lembro muito não isso ai não, mas me lembro até dos hinos de João Pessoa, que ele, mataram ele, João Dantas foi quem matou ele em Recife né? E ele tava em mesa de refeição, ele tava palestrando com uns amigos ai Dantas entrou que ninguém viu atirou no coração. Ai eu sei o hino dele todim, num vou cantar não que eu tou muito rouca.[cantou um breve refrão] (...) Meu pai era mestre de música, num sabe? E agente era cantora, eu e outras irmãs, então, quando tirava esses hino vinha aqui pra São João pra na rua, dia da, do aniversário de morte dele cantava esses hino né?E agente era pago.Eu era mulecota nova pequena ainda mais me lembro de muita coisa.
Na Paraíba, a exemplo do que ocorria a nível nacional, a Igreja Católica, sobretudo nos anos de 1930, exerceu intensa campanha anti-comunista, apoximando-se do integralismo, forjando uma imagem maléfica e assustadora do regime soviético, e ajudando o Estado no combate à disseminação de seus partidários no Brasil, de um modo geral e, na Paraíba, em particular.
Voltando à análise da fotografia acima, além da instituição católica, participando da comemoração do aniversário de morte de João Pessoa, podemos observar, em primeiro plano, duas filas de alunas, devidamente fardadas e uma senhora, talvez uma professora ou diretora, ostentando a Bandeira do “Nego”. Na lateral esquerda da imagem, se encontra a Banda Filarmônica local, que sempre participava das solenidades na condição de executora dos hinos. Entre o templo e os estudantes, estava a população, em meio aos estandartes católicos e bandeiras cívicas, formando uma cena na qual se conjugavam símbolos, instituições, rituais, sagrados e profanos, unidos pelo mesmo objetivo.
Ao falarmos de educação, não a reduzimos ao processo de ensino centrado na sala de aula. Em vários espaços institucionais, os intelectuais orgânicos do grupo vitorioso em 1930 pretenderam ensinar algo. A função pedagógica da escola preenche outros espaços que não apenas a sala de aula, a exemplo da praça pública e do Altar da Pátria. Nesses espaços, também se davam lições. O Jornal A União noticia que, nas comemorações de 1931, cerca de cinco mil alunos desfilaram em frente ao Altar da Pátria.
Em todos os espaços, o currículo aparecia como instrumento de legitimação da memória histórica de João Pessoa. Currículo, para nós, não se define apenas como a lista de conteúdos prescritos em um documento oficial, destinados a serem cumpridos em aulas. Comungamos com Berticelli (1999, p.165), quando afirma que “pode-se entender como currículo os conteúdos não expressos, mas latentes da socialização”, citando Forquin (apud Berticelli, 1999, p. 165), que também o define como
(...) o conjunto de competências ou de disposições que se adquire na escola por experiência, impregnação, familiarização ou inculcação difusas, ou seja, tudo aquilo que os anglófonos designam, às vezes, pelo termo de ‘currículo oculto, em contraste com aquilo que se adquire através de procedientos pedagógicos explícitos ou intencionais.
Ocorre que, a partir de 1931, com a criação do Ministério da Educação, o currículo passou a ser elaborado por comissões de intelectuais ligados ao referido ministério. Primava-se pela História Nacional, pelos “heróis” e vultos da Pátria. As comemorações do 26 de julho, na Paraíba, com todas as práticas pedagógicas, dentro ou fora da sala de aula, se inseriam no que podemos chamar de currículo oculto. Oficializadas pelo governo do estado da Paraíba, as festas cívicas, em alusão ao aniversário de morte de João Pessoa, não constavam no currículo nacional, o que não impede de se considerá-las repletas de intencionalidades e de legitimação do poder instituído. Elas ensinam, falam, formam subjetividades e identidades. Elas também reproduzem a ideologia dos grupos dominantes.
Nesse particular, não vemos incompatibilidade teórica quando pensamos a questão do currículo, entre as teorias críticas e as pós-críticas, não obstante suas elaborações do problema por ângulos diferentes. Ambas são de fundamental importância para a reflexão sobre a questão curricular e educacional, para falarmos de forma mais geral.
De um lado, fazemos coro com as palavras de Silva (1999, p.145):
Embora seja evidente que somos cada vez mais governados por mecanismos sutis de poder tais como os analisados por Foucault, é também evidente que continuamos sendo também governados, de forma talvez menos sutil, por relações e estruturas de poder baseadas na propriedade de recursos econômicos e culturais. O poder econômico das grandes corporações industriais, comerciais e financeiras não pode ser facilmente equacionado com as formas capilares de poder tão bem descritas por Foucault. De forma similar, o poder político e militar de nações imperiais como os Estados Unidos não pode ser facilmente descrito pela “microfísica’ foucaultiana do poder.
A visão do macro-poder permite a apreensão da atuação do Estado e seus aparatos bem como dos grupos sociais que lhe dão suporte e nele se representam, na formulação de suas políticas de memórias, que lhe conferem direção, hegemonia. A visão de micro-poderes possibilita a apreensão das concepções das instituições e grupos da sociedade civil que ou se articulam com o poder do Estado na capilarização da visão hegemônica sobre o mundo e a própria sociedade, ou formulam visões de contra-hegemonia. Estas últimas, pouco espaço tinham na Paraíba, na época em estudo, embora se manifestassem.
De outro ângulo, no nosso modo de entender, o referencial teórico pós-crítico vem enxergar algumas questões que os críticos não colocaram por uma série de razões, entre as quais a própria temporalidade em que formularam suas teorias. Entretanto, não vemos grandes problemas em analisar o objeto currículo a partir de conceitos como ideologia, hegemonia, reprodução, e, ao mesmo tempo saber, poder, identidade e formação de subjetividades. São olhares diferentes, focos diferentes, pensados em contextos históricos diferentes, porém, o fato de uma vertente se configurar mais atual não significa que vertentes teóricas produzidas em outros tempos devam ser, peremptoriamente, rejeitadas em seu todo. Se assim fosse, cada vertente teórica seria um puro ato fundador inaugural, perdendo de vista a sua própria historicidade. Marx não deveria crédito a Hegel, mesmo refutando o seu pensamento, Foucault não deveria tributos a Nietzsche. Estamos de acordo com a concepção da historiadora Silveira, no tocante às perspectivas multidimensionais em detrimento das abordagens simplificadoras das análises históricas. Como afirma Silveira (2004)
Vale dizer que a crítica ao unidimensionalismo de perspectiva não cabe só ao economicismo marxista, mas ao culturalismo, ao politicismo, etc; e que, sendo crítica ao economicismo marxista também deve sê-lo ao economicismo liberal capitalista em sua linearidade mercadológica, crítica esta quase ausente nos meios acadêmicos, o que, no mínimo, é estranho ou revelador.
Fizemos uso dessa passageira discussão teórica a fim de sistematizarmos nosso olhar sobre a escola, o currículo e a socialização da memória histórica da “Revolução de 1930” na Paraíba.
Como já fizemos notar em passagens anteriores, ao comemorar o 26 de julho, a escola se colocava como aparelho de hegemonia, para retomar Gramsci. Pensando pelo lado das teorias pós-críticas, podemos dizer que o currículo também é um formador de identidades e subjetividades, uma vez que os discursos instituídos vão acabar constituindo o que somos e o que pensamos. O eu e o outro, ou a identidade e a alteridade, permeiam a linguagem da memória oficial da “Revolução de 1930”. Essa construção identitária sintetiza-se na paraibanidade, da qual já falamos em outras passagens desse texto. O “ser paraibano” era motivo de orgulho, tendo em vista ter sido o “pequenino” estado, pelo gesto do “grande homem”, o originador da “Revolução de 1930” e, portanto, fundador da “República Nova”. O Outro, os que não estavam com a Paraíba e a Aliança Liberal, eram representados como “arcaicos” e “passivos” diante da política café-com-leite. Ao construir essa identidade de “povo paraibano”, “bravo e resistente desde os princípios”, havia um esforço extraordinário de homogeneização da forma de pensar os acontecimentos da época e, assim, atingir uma adesão ao grupo vencedor, tendo João Pessoa como elemento congregador. Nesse movimento de homogeneização político-simbólica, aqueles que não sentiam pertencimento a essa visão de mundo instituinte, os derrotados de 1930, são relegados aos subterrâneos da memória, memória que se oficializa excluindo o grupo perrepista, por aquela referido nos termos de um passado que se quer apagar neste momento inaugural, fundante, de um “novo tempo”.
Assim, ao mesmo tempo em que o currículo reforçava essa identidade, também podemos entendê-lo como formador de subjetividades. Vejamos:
O director do Ensino Primário determinou ás escolas escolas públicas desta capital e do interior, que promovam amanhã, a realização de sessões cívicas, ás 15 horas, commemorativas da passagem do 3º aniversário da morte do presidente João Pessôa. Os professores deverão fazer uma prelecção sobre a vida do inesquecível parahybano, apontando-o aos seus alumnos como um exemplo a imitar. (Jornal A União, 25 jul. 1933, p. 8 grifos nossos).
Como podemos inferir, o currículo era instrumento de poder fortemente marcado pela formação de subjetividades, na medida em que inculcava valores morais constelados no mito, a ponto de sugerir que os alunos deveriam seguir o exemplo de vida do ex-presidente.
Bourdieu questiona frontalmente a neutralidade da escola e do conhecimento escolar, argumentando que o que essa instituição representa e cobra dos alunos são, basicamente, os gostos, as crenças, as posturas e os valores dos grupos dominantes, dissimuladamente apresentados como cultura universal. A escola teria, assim, um papel ativo - ao definir seu currículo, seus métodos de ensino e suas formas de avaliação - no processo social de reprodução das desigualdades sociais. (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002).
Rezando, estudando, soprando, cantando, noticiando, fotografando... assim ia sendo cristalizada a memória mítica de João Pessoa. Memória construída culturalmente, com o objetivo, explícito ou implícito, de manter a estabilidade e a coesão social, uma memória que se pretendia ser de todos os paraibanos, que almejava ter o apoio de diversos segmentos sociais com vistas à legitimação do bloco hegemônico após 1930. Diversas instituições se encarregaram de exercer um verdadeiro Poder Simbólico, esse poder que, segundo Bourdieu (1989, p. 14/15), se constituía
(...)pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isso significa que o poder simbólico em forma de uma “ illocutionary force” mas desta- entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, a crença cuja produção não é de competência das palavras. (Grifos nossos).
Durante os quinze anos da Era Vargas, período delimitado para este trabalho, foi constante a reiteração de tal simbologia, por meio das práticas das comemorações cívicas, que expressavam a ideologia das elites que comandavam a Paraíba, cooptando segmentos da sociedade civil da capital e de outras localidades do estado.
Dessa forma, o Poder Simbólico, da memória construída sobre João Pessoa, era socializado por várias instituições e segmentos, se estendendo aos grupos populares, não por meio da violência física, mas pela estratégia da violência simbólica, fazendo uso do poder de mobilização, de enunciação e de crença na legitimidade das palavras de quem as pronunciava.
Talvez - e fica aberto mais um campo temático a futuras investigações - o fato deste poder simbólico não ser reconhecido como arbitrário tenha advindo de um meio social receptivo à figura do presidente assassinado, a que se soma a comoção com a sua morte. Por outro lado, não se pode esquecer que os vencedores de 1930 foram extremamente eficientes e ágeis na elaboração dos efeitos de sentido em torno de João Pessoa na produção de lugares de memória, na ocupação de espaços institucionais de socialização do mito. Prova disso é a persistência desse mito para além do período desse estudo, praticamente até os dias atuais, quando a polêmica acerca da mudança do nome da capital paraibana evidencia que a disputa simbólica emergente nos anos trinta ainda não se encerrou, apesar dos mais de três lustros que nos distanciam dos acontecimentos que a instituíram.
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FONTES DOCUMENTAIS
ARQUIVO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DA PARAÍBA
Livros de Atas das Sessões Legislativas (julho a setembro de 1930)
Livro de Projetos de Leis e Pareceres (julho a setembro de 1930)
ARQUIVO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DA PARAÍBA (IHGP)
Jornal A União (1930-1945);
Jornal A União, 9 maio. 2004.
Arquivo Privado de Adhemar Vidal;
Arquivo Privado de João Pessoa;
Série Produção Intelectual (1910-1940)
ARQUIVO DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÌSTICO DO ESTADO DA PARAÍBA (IPHAEP)
Inventário de Bens Móveis e Integrados do IPHAEP.
ARQUIVO MAURÍLIO DE ALMEIDA
Jornal Correio da Manhã (1930-1933)
Jornal A Liberdade (1930)
DEPOIMENTOS ORAIS
INADI TORRES VILAR: agricultor, nascido em 2 de fevereiro de 1927. Entrevista em 23 de janeiro de 2005.
REUZA RIBEIRO DE QUEIROZ: professora primária aposentada, nascida em 5 de outubro de 1923. Entrevista realizada em 6 de fevereiro de 2005.
MAURA TAVARES DE LIMA: professora aposentada, nascida em 5 de agosto de 1937. Entrevista realizada em 22 de outubro de 2005.
MANUEL DANTAS VILAR FILHO: engenheiro civil e fazendeiro no município de Taperoá. Entrevista realizada em 11 de maio de 2006.
EDITE CORDEIRO DE SOUZA: agricultora, residente no município de São João do Cariri. Entrevista concedida em 22 de outubro de 2006.