domingo, 21 de junho de 2009

AULA INAUGURAL DO SEMESTRE 2008.2: RECEPÇÃO AOS FERAS DA UEPB

José Luciano de Queiroz Aires

A cada dia que passa a vida me leva a coisas desafiadoras. Nunca pensei que me dariam o mérito da confiança e ao mesmo tempo da responsabilidade de dizer algumas palavras para os feras do curso de História da UEPB. Eis que me deram e aceitei com imenso prazer, embora temeroso em função da importância a que me incumbiram.
Imediatamente pensei: “Meu Deus o que vou dizer a esses meninos e meninas?” Dizer apenas “sejam bem vindos e bem vindas” é muito pouco, aliás, é pouquíssimo. É preciso refinar a oratória, ser otimista e fazer da palavra um convite decorado com os signos emblemáticos de nosso curso de licenciatura em História. Vou tentar, se não conseguir peço perdão; se conseguir, fico feliz.
Gostaria de iniciar prloblematizando a nossa identidade enquanto profissional de História. É preciso que estejamos sempre fazendo a nós mesmos perguntinhas do tipo: o que é ser historiador nesse início de século? Por que estudar história? Onde estão os sentidos dos passados?
Essas indagações não são simples de serem respondidas, uma vez que envolve uma complexidade dada às variedades de respostas e dos lugares sociais de quem ousam respondê-las. Portanto, tenho consciência do lugar de onde produzo essa narrativa e as tentativas de respostas aos questionamentos acima propostos, tem imbricamentos relevantes com esse lugar.
Todos nós aqui temos uma formação inserida no bojo do paradigma da modernidade. A escola moderna tem sido um dispositivo disciplinador, como quer Foucault, ou um aparelho ideológico de Estado, como sugere Gramsci e Althusser, levando em considerações as diferenças entre os dois marxistas. Ou ainda, a educação escolarizada moderna é bancária, como sugere Paulo Freire, centrada no professor “dono” do saber e depositário de imenso poder e no aluno “passivo”, “mente vazia” que vem à escola preencher de conhecimento científico produzido pela academia. Centrada ainda em avaliações tradicionais e métodos de memorização mecânica.
A História enquanto ciência moderna, “Positivista”, enfadonha, linear e evolutiva, de sujeitos individualizantes e elitistas e baseada em documentos escritos e oficiais, se constituiu enquanto disciplina escolar em 1838 e de lá pra cá nunca mais saiu do currículo escolar. Foi uma disciplina das mais vigiadas, como nos lembra Marc Ferro, e útil à legitimação dos nacionalismos, dos regimes político-ideológicos, do paradigma eurocêntrico que ao passo que “normalizava” o europeu, masculino, heterossexual, cristão e burguês, “anormalizava” quem ai não se encaixasse.
Na História do Brasil, por exemplo, o ensino de História já buscou legitimar a Monarquia, a República, o nacionalismo fascista de Vargas, o populismo e desenvolvimentismo da dupla Vargas-JK, respectivamente, e da doutrina de Segurança Nacional do regime militar. Já foi utilizada para legitimar a religião católica, demonizando, por exemplo, as religiões e religiosidades afro-brasileiras. Já foi utilizada para legitimar o paradigma do patriarcado, excluindo as mulheres como sujeitos da História. Já foi utilizada objetivando mostrar o homem branco descendente de europeu como o agente da “civilização” ao passo que os índios e negros eram considerados “selvagens” sem almas. Já foi utilizada para legitimar a família patriarcal e heterossexual de modelo cristão, relegando aos planos da “anormalidade” e da desrazão os homossexuais e outras tipologias de familias.
E hoje, após o regime militar e o advento da democracia o que se pode esperar da História e do ensino de História? E pensando no contexto internacional, em plena era da globalização e do neoliberalismo, o que se pode esperar da História e do ensino de História?
Entendo que, embora vivamos uma crise de futuro, de projetos e utopias coletivas, de pleno mergulho na sociedade de consumo, midiatizada, tecnologizada e veloz, ainda precisamos fazer da História e do seu ensino um contra discurso hegemônico ao capitalismo, não obstante termos consciência de que a educação atualmente está estritamente indissociável do mercado de trabalho. Mas pior do que isso é fazer um discurso cultuando o modelo de sociedade que aí está como a perfeição que a humanidade podia atingir. Igualmente pior é não fazer o contra discurso, pois, implicitamente acaba caindo no primeiro exemplo, mesmo que indiretamente, pois não se objetiva formar um cidadão com visão crítica de mundo, no sentido de classe mesmo.
Pensando pela ótica da diversidade cultural, a História e seu ensino que durante muito tempo buscou construir uma identidade nacional unívoca, coesa e harmoniosa, como quis, por exemplo, Gilberto Freyre, para o Brasil, precisa hoje pensar não no brasileiro, mas nos brasileiros diversos, portadores de identidades diversas, de religião, classe, raça e etnia, idade, gênero e sexualidade, região, etc. Por esse prisma, trata-se de estudar a construção das identidades no plano cultural e social, desnaturalizando-as. Dessa forma, pensamos a historicidade das identidades, as negociações e o os conflitos inerentes a uma sociedade cada vez mais complexa, que está para além da luta de classes. As escolas e o ensino de História, pensando na diversidade cultural, devem cuprir um grande objetivo geral para seu ensino, isto é, a luta pelo reconhecimento das identidades dos excluídos da história pelo paradigma moderno, a cidadania cultural, na qual o Outro é apenas diferente de mim, nem melhor, nem pior. Ao mesmo tempo, ainda pensando pelo ângulo da diversidade cultural, podemos reafirmar um outro contra discurso ao discurso único da globalização que procura homogeneidade cultural a partir dos Estados Unidos.
Estudar História não tem sentido pragmático, mas vale muito pela constituição de nossas subjetividades e identidades. Vale pela criticidade que o mesmo permite, pela visão de mundo que o currículo pode nos presentear, relativizando, evidentemente.
Eu mesmo tive minhas subjetividades ressignificadas com o curso de História na UEPB nos anos 1990. Entrei Católico Apostólico Romano e saí quase ateu. Entrei como filho de uma família política tradicional, dos tempos do PDS e da extrema direita e saí pendido pela esquerda, votando em Lula desde 1989 e sendo tachado no interior de admirador de grevista “baderneiro”. E confesso: o rótulo que hoje mais me agrada e escuto isso de amigos e família, é o de louco. “Todo historiador é doido”, já ouvi tanto isso que já me assumi inteiramente louco. Louco porque não vai a missa, porque gosta de músicas “doidera”, por que briga pelos seus direitos, não acredita na existência do céu em cima e do inferno embaixo; Fizeram isso comigo, graças aos marxistas que andavam por aqui e para lembrar a professor Martha Lúcia, nos tempos em que a teoria funcionava.
Voltando à questão da nossa identidade de historiador. É de fundamental importância que lutemos pelo reconhecimento oficial de nossa profissão, não apenas como uma mudança de nomenclatura, e sim, um redimensionamento das políticas públicas de valorização do magistério nesse país. O professor não pode ser pensado separado do pesquisador, precisamos romper com a velha dicotomia que confere à universidade a produção do conhecimento e às escolas a sua transmissão. Nas escolas também se produz narrativas históricas e os professores/pesquisadores precisam de tempo e investimento para sua formação continuada.
Nesse sentido, o curso de Licenciatura Plena em história da UEPB, pensa um projeto pedagógico que visa formar esse perfil de um historiador professor/pesquisador. Discordo, plenamente, das universidades que ainda separam os cursos de licenciatura dos de bacharelados, pois devemos pensar no lócus, por excelência da nossa atuação profissional, ou seja, as escolas.
Sejam todos bem vindos, a casa é nossa. Aproveitem todos os momentos da estadia que aqui vão fixar. Espero que possamos contribuir com o debate historiográfico, que possamos construir e socializar conhecimento histórico e que o desenrolar desse processo seja gratificante para todos.
Sintam-se em casa!

Obrigado.
O NOME DESSA CIDADE É MEU: A MUDANÇA DO TOPÔNIMO DA CAPITAL PARAIBANA COMO LUGAR DE MEMÓRIA (1930)

José Luciano de Queiroz Aires

Era o dia primeiro de setembro de 1930. Luto e luta, choro e romaria, canto e conflito. Uma multidão se agigantava na dinâmica da então cidade da Parahyba, esbanjando uma mistura de revolta e dor. Achava-se o legislativo estadual reunido para a apreciação do projeto que mudava o nome da capital paraibana de Parahyba para João Pessoa, enquanto as galerias e a frente do prédio estavam repletas de manifestantes. No decorrer da sessão, o deputado Argemiro de Figueiredo, autor do projeto, requereu ao presidente da Casa que a mesma fosse suspensa para que os parlamentares tomassem conhecimento de uma manifestação do povo da capital.
Havia se passado um pouco mais de um mês do assassinato do presidente João Pessoa, ocorrido em 26 de julho daquele ano, na confeitaria Glória, no Recife. Segundo Jóffily (1979, p. 298/299)

Da morte de João Pessoa até a madrugada da Revolução, vivemos dois longos meses de corre-corres e quebra-quebras sob a trepidação de eloqüências inesgotáveis... Era uma legião sem uniformes. Tinha, porém, um distintivo comum para homens e mulheres: o lenço encarnado na cabeça, no pescoço ou na cinta. A palavra vermelho era empregada como sinônimo de liberal. A partir do dia 27, a casa que não ostentasse uma bandeirola preta ficaria suspeita de perrepismo, isto é, de “assassino de João Pessoa”. Após aquele sábado trágico, as passeatas adquiriram mais alvoroço e maior participação para pressionar o Governo no sentido de mudar o nome da Capital e de adotar a nova bandeira- a do NÉGO até hoje instituída.

E Jóffily (1979, p.300) defende o projeto com base na vontade “popular”.

Registra nossa História várias alterações toponímicas. Temos Petrópolis, Teresópolis, Florianópolis e outras homenagens a estadistas. Todas, porém, foram impostas de cima para baixo, por mera força de decreto. Bem diverso é o caso da Paraíba, que resultou de irresistível pressão popular. Nem a Revolução Francesa trocou o nome de Paris. Para nos situarmos em nosso século: nem sequer foi tentada a mudança de Dallas ou de Brookline- cidade natal do presidente assassinado- para o nome de “Kennedy”.

Acho que devo introduzir uma questão problematizadora. Quais os objetivos de uma ala da Aliança Liberal paraibana em alterar o topônimo da capital da Paraíba? Defendo a tese de que o Poder Simbólico é tão ou mais forte do que a força física, pois, como diria Bourdieu (1989, p. 14/15) ele age de acordo com os objetivos de quem o institui, porém, não se coloca como arbitrário tendo em vista que o que o torna legítimo é “a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia”. (BOURDIEU, p. 14/15).
Ora, a Aliança Liberal havia sido derrotada no plano das urnas, nas eleições de 1º de março de 1930. Como, porém, destituir Washington Luiz e chegar ao Catete? Parece-me interessante citar uma observação feita pelo governador perrepista de Pernambuco, Estácio Coimbra, na qual afirmava, após a morte de João Pessoa, que “a Aliança Liberal agora tem um mártir” (VIDAL, 1978, p. 178). O “mártir” vira símbolo, tem Poder Simbólico, é fabricado sob forma de mito e apropriado demasiadamente, primeiro, para legitimar a tomada do poder iniciada na madrugada de 3 de outubro, na Paraíba, com vitória final em 24 daquele mês, com a ascensão de Vargas ao Catete. Mas a simbologia mitificada de João Pessoa era muito poderosa e rendeu dividendos políticos, pelo menos por mais quinze anos (esse foi o recorte que estudei, o mito se arrasta até nossos dias)- procurando legitimar o Estado Nacional autoritário que emergiu da conjuntura do movimento de 1930, assim como, os baluartes da ala revolucionária da Aliança Liberal paraibana, que se projetarão sempre à sombra do espírito de João Pessoa.
Em nome de João Pessoa, a Aliança Liberal casou e batizou. A princípio, planejou e conseguiu tomar o Catete. A posteriori, rachada, suas duas alas planejavam suas ações tomando o “herói” como ponto de partida. O PP invocava João Pessoa para legitimar José Américo, que se tornou ministro de Vargas. O PRL incorporava o espírito de João Pessoa para tentar a continuidade da família no comando do estado, apostando em Joaquim Pessoa para substituir o irmão. Pelo visto, a alma do ex-presidente paraibano não descansava em paz. Era acionada do além, para trabalhar em prol das querelas terrenas. Foi assim que, em 1932, o interventor Gratuliano de Brito, ao discursar para os soldados paraibanos que partiam para combater os paulistas, se expressou:

(...) Marchae soldados da Parahyba que a Victória é certa. Só tenho duas cousas a pedir-vos: no aceso do combate, lembre-vos de que antes de tudo soes parahybanos e que o espírito de João Pessoa paira por sobre as vossas cabeças, illuminando a vossas trincheiras e abençoando a vossa bravura. ( apud GURJÃO, 1994, p. 114)

José Américo, discursando em São Paulo, não deixava por menos: “... E dar a São Paulo a certeza que estamos dispostos a derramar todo o nosso sangue para não macularmos o sangue de João Pessoa, para não sermos infiéis ao sacrifício do nosso grande mártyr.” (GURJÃO, 1994, p. 115).
Em nome da memória de João Pessoa, os interventores paraibanos governaram. Buscaram legitimação. É tanto que festejaram sua memória anualmente, no 26 de julho. Procuravam, por meio de um sujeito singular coletivo chamado “povo paraibano”, coesão social, evitando todos os tipos de lutas e conflitos, apresentando uma imagem oficial de “Paraíba unida”, como se todos comungassem com a memória criada em torno daquele mito. Sendo assim, empurravam para os subterrâneos do silêncio as memórias das elites perrepistas derrotadas nos planos político e simbólico. Essas, tentavam aterrisar, tomar fôlego, gritar, pediam, desesperadamente, que alguém as ouvisse. E houve quem as escutasse, mas em outras redes de sociabilidades, sobretudo, as familiares, por meio da tradição oral.
Conforme assinala Pollak (1989), o processo de enquadramento da memória, oficializada, perpassa pela arbitrariedade de se colocar como a memória englobante de toda sociedade, jogando aos subterrâneos da marginalidade as memórias das oposições a esse projeto maior de coesão social. Foi assim que ocorreu com o movimento de 1930 na Paraíba. Enquanto foram criados vários lugares de memória (Nora), institucionalizando o mito João Pessoa, como o “herói” da revolução e dos “novos” tempos, as memórias perrepistas foram silenciadas providencialmente pelo vencedores de 1930. Entre esses lugares de memória destaco a criação da Bandeira do nego, da edificação de uma verdadeira estatuomania, para lembrar o historiador Maurice Agulhon, da composição do Hino de João Pessoa, da escrita da história imediatamente materializada em livros apologéticos, da institucionalização de um feriado do 26 de julho com toda gama de comemorações cívicas e da mudança do nome da capital paraibana. Sobre esse lugar de memória é que darei ênfase nesse artigo.
Um dia antes dessa sessão legislativa que votava a mudança do nome da capital foi distribuído entre a população local um boletim, cujo teor abaixo transcrevo:

Ao povo-No intuito de prestar mais uma homenagem à memória do inolvidável e querido Presidente João Pessoa, indo ao encontro da vontade de quase totalidade dos paraibanos, cogita o povo de nossa terra promover os meios necessários, no sentido de ser mudado o nome da capital do Estado para o de João Pessoa. Para este fim, a comissão abaixo assinada convida todas as classes desta cidade para uma grande reunião, amanhã, 2ª feira, às 13 horas, na praça que tem o nome do grande benfeitor da Paraíba, onde, após um discurso de consagrado orador, irá toda a população à Assembléia Legislativa solicitar a execução dos seus desejos.Para maior realce dessa procissão cívica, encarece a comissão o fechamento de todo o comércio àquela hora, a fim de que possam os interessados-que são todos os filhos dignos da Paraíba-tomar parte direta no grande acontecimento que vem homenagear o maior vulto do Brasil dos nossos dias. Paraíba, 31 de agosto de 1930.-A comissão: América de Oliveira, Alexandrina Pinto Cavalcanti, Isaura Miranda, Moça Viana, Anatilde Morais, Celina Rosas Rabelo, Júlia de Miranda Peregrino, Rita Miranda, Corintia Rosas Monteiro, Donzinha Andrade, Analice Caldas, Francisca d´Ascenção Cunha, Nevinha de Oliveira, Aurélia Rattacazo, Leonídia Coutinho, Mignon Freire, Corina Ramos de Vasconcelos, Helena Meira Lima, Nazinha Coutinho. (VIDAL, 1978, p. 337, grifos nossos).


A leitura desse documento comporta algumas observações que destaco a seguir. Como podemos notar, havia um grau de sistematização de grande envergadura no tocante à mitificação do presidente morto e à elaboração da memória oficial. Em primeiro lugar, notamos que o boletim conclamava todo o “povo”, todas as “classes” para pressionarem os parlamentares no dia da votação, justamente porque a manutenção do apoio popular, em torno da memória de João Pessoa, era imprescindível, nesse momento, aos planos golpistas da Aliança Liberal. Em segundo lugar, fica explícito o grau de organização do movimento visto que, na programação, constava um “discurso de consagrado orador”, revelando a não espontaneidade da população, mas algo tramado nos bastidores da política e assinado por senhoras da elite local. De acordo com Jóffily (1979, p. 273) “Na Paraíba, o padre Mathias Freire, em comícios permanentes, convocava as lideranças femininas”, de modo que podemos pensar a participação feminina durante aquele contexto, à sombra da Igreja Católica, propagando a ideologia da “ordem” e da moral.
Em verdade, havia uma sistematização dessa memória oficial com vistas a se contrapor à memória subterrânea das elites perrepistas derrotadas e, ao mesmo tempo, tomar os grupos e classes populares como aliados. Não estamos querendo dizer, com isso, que a população não quisesse manifestar-se; havia, na capital, um clima propício para as manifestações, tendo em vista a aceitação positiva do governo João Pessoa. Porém, a vontade do grito nas ruas se somava aos mecanismos criados pela sociedade política para manter essa população vibrando com a criação dos lugares de memória que se destinavam a lembrar o mito.
O fato de a multidão estar nas ruas não representava comando do processo de institucionalização dos lugares de memória; o povo formava o ambiente adequado para os planos do golpe urdidos pela sociedade política e era cooptado, para apoiar os planos dessa última.
No dia 1º de setembro de 1930, achava-se o legislativo estadual reunido para a apreciação do projeto enquanto as galerias e a frente do prédio estavam repletas de manifestantes. Será que o objetivo dos manifestantes era apenas pressionar os deputados para que aprovassem o projeto? Pensamos que essa não era a principal razão, até porque não corria risco de rejeição, uma vez que a maioria dos deputados perrepistas não mais comparecia às sessões e, como observa o próprio Ademar Vidal, (1978, p.336) “apenas dois ou três deputados afinavam com o pensamento isolado do governo”. É tanto que o projeto foi aprovado por unanimidade. Portanto, manter a população nas ruas tinha um objetivo muito maior, a tomada do poder, e longe da espontaneidade da população, tudo era programado e ritualizado por homens do governo, mas sem a participação do governador (na época, presidente de estado).
A memória oficial ia sendo elaborada com a participação popular, mas coordenada pelos membros “revolucionários” da Aliança Liberal. Tudo em forma de cerimonial, de ritual, como rezam as tradições inventadas, para citarmos Hobsbawm. No dia 4 de setembro de 1930, em mais uma sessão legislativa, o deputado João Mauricio pede a palavra e requer a suspensão da mesma para a Assembléia participar do ato solene da sanção do projeto que muda o nome da capital. Durante a solenidade, coube ao deputado Lima Mindêllo fazer o discurso de saudação ao novo topônimo, seguido do ritual da sanção, o qual foi realizado com uma caneta de ouro cuja aquisição foi feita mediante “subscripção popular” realizada pela comissão de mulheres.
Após o ato, a senhora Olívia Athayde discursou em nome da comissão. Dirigindo-se ao presidente Álvaro de Carvalho, solicitou apoio ao projeto da bandeira rubro-negra.
O chefe do Executivo estadual estava ladeado pelo Secretário de Segurança Pública, José Américo de Almeida, o Secretário da Fazenda Flodoardo Lima da Silveira e pelos deputados Velloso Borges, Lima Mindêllo e Guedes Pereira. Esse bloco não era homogêneo e nele existia um conflito que podemos dimensionar na dicotomia - tradição antiga versus tradição nova, ou melhor, “ordem, pacificação” versus “agitação, revolução”. O discurso de Álvaro de Carvalho, naquele momento, reflete a postura de epitacistas antigos, aqueles que “preferiam dez vezes Júlio Prestes a uma Revolução”. Falou do “amor às tradições” e disse que “sacrificava o seu ponto de vista pessoal em favor da vontade de seus concidadãos” (Jornal A União, 5 set. 1930).
Mesmo com a ressalva de Álvaro de Carvalho, o projeto nº 4 se transformou em Lei nº 700 e, mais do que simplesmente uma homenagem a João Pessoa, o que ocorreu naquele momento, foi uma vitória da ala “revolucionária” da Aliança Liberal, chefiada por José Américo, que assumirá o governo da Paraíba após a tomada do Quartel do 22º BC.
E assim se fez mais uma alteração toponímica na capital paraibana. De Felipéia de Nossa Senhora das Neves, em homenagem ao rei Felipe II, da Espanha e a um nome Cristão, passou, em 1634, com a invasão holandesa à Frederica, prestando homenagem ao príncipe flamengo, Frederico. Com a expulsão dos holandeses, em 1654, passou à Parahyba, topônimo tupi que significa rio ruim e, em 1930, volta a homenagear um homem: João Pessoa.
Os perrepistas nunca aceitaram essa mudança. Ainda hoje, alguns remanescentes, cujas memórias, mesmo vividas por tabela, como assinala Pollak, rejeitam esse novo lugar de memória.
O depoimento de Inadi Torres Vilar é pertinente ao que afirmamos, senão vejamos: “lá na capital, na Parahyba, que aquela merda se chama Parahyba, registre é um velho com setenta e oito anos que está dizendo”. Em tom de provocação, insistimos no assunto, interpelando se ele não chamava a capital pelo nome de João Pessoa. A resposta sobreveio de imediato: “só quando eu erro”, respondeu o entrevistado.
Além das palavras, vale ressaltar a entonação da voz do entrevistado, falando com ódio, alterando a voz no decorrer da conversa, como se estivesse fisicamente vivendo os acontecimentos daquele contexto histórico.
Entendemos que o conceito de pertencimento grupal, que é afetivo, e não apenas físico, como analisa Maurice Halbwachs, explica a continuidade do passado no presente da memória. Márcia Mansor D`Áléssio, em artigo para a Revista Brasileira de História, analisa a categoria memória nas obras de Pierre Nora e Maurice Halbwachs. Analisando este último autor, ela afirma que
(...) situações vividas só se transformam em memória se aquele que se lembra sentir-se afetivamente ligado ao grupo ao qual pertenceu.Aliás, ao que pertence, pois só se fez parte de um grupo no passado se se continua afetivamente a fazer parte dele no presente. Se no presente, alguém não se recorda de uma vivência coletiva do passado é porque não pertencia àquele grupo- ainda que pertencesse fisicamente-, já que é o afetivo que indica o pertencimento”.(D`ÁLÉSSIO, 1992, p. 98-99).

A transmissão oral, efetivada no seio dos grupos familiares, foi o mecanismo essencial para a manutenção de sua versão, diferentemente dos vitoriosos de 1930, que vão instituir uma memória pautada por um imaginário situado mais no ângulo dos lugares de memória institucionalizados. Como argumenta Michael Pollak (1989, p.3), o fato das memórias vencidas pela oficialidade não se configurarem nos chamados lugares de memória, não implica em esquecimento total, elas se conservam na marginalidade, à espera de um contexto futuro que possa tirá-las do silêncio.


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ARQUIVO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DA PARAÍBA

Livros de Atas das Sessões Legislativas (julho a setembro de 1930)
Livro de Projetos de Leis e Pareceres (julho a setembro de 1930)

ARQUIVO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DA PARAÍBA (IHGP)

Jornal A União (1930-1945);
Jornal A União, 9 maio. 2004.
Arquivo Privado de Adhemar Vidal;
Arquivo Privado de João Pessoa;
Série Produção Intelectual (1910-1940)

ARQUIVO DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÌSTICO DO ESTADO DA PARAÍBA (IPHAEP)

Inventário de Bens Móveis e Integrados do IPHAEP.

ARQUIVO MAURÍLIO DE ALMEIDA

Jornal Correio da Manhã (1930-1933)
Jornal A Liberdade (1930)

DEPOIMENTOS ORAIS

INADI TORRES VILAR: agricultor, nascido em 2 de fevereiro de 1927. Entrevista em 23 de janeiro de 2005.

REUZA RIBEIRO DE QUEIROZ: professora primária aposentada, nascida em 5 de outubro de 1923. Entrevista realizada em 6 de fevereiro de 2005.

MAURA TAVARES DE LIMA: professora aposentada, nascida em 5 de agosto de 1937. Entrevista realizada em 22 de outubro de 2005.

MANUEL DANTAS VILAR FILHO: engenheiro civil e fazendeiro no município de Taperoá. Entrevista realizada em 11 de maio de 2006.

EDITE CORDEIRO DE SOUZA: agricultora, residente no município de São João do Cariri. Entrevista concedida em 22 de outubro de 2006.

CINEMA E ENSINO DE HISTORIA: UMA LEITURA DO FILME PARAHYBA MULHER MACHO

José Luciano de Queiroz Aires

Antes de esboçar uma leitura sobre o filme Parahyba Mulher Macho, faz-se necessário investigar as relações entre Historia (o que fazem os historiadores) e cinema. Muito embora o cinema seja centenário (século XIX), os filmes passaram a ser valorizados como documento histórico apenas nos anos 1970. São documentos, pois são registros dos passos humanos no espaço e no tempo. Através da produção de uma imagem cinematográfica, podemos compreender o contexto da época de sua produção. Portanto, se eu posso ler o passado por meio de uma película, ela é uma fonte por meio da qual busco compreender os indivíduos e sociedades, assim como outras, a exemplo de narrativas orais, poemas, livros de cartórios e igrejas, livros de atas, jornais, fotografia, quadrinhos, vestígios arqueológicos, dentre tantas outras.
Os documentos históricos são classificados como primários e secundários. No primeiro caso, trata-se dos documentos produzidos à época dos acontecimentos, enquanto no segundo, são produções sobre o passado, porém, feitas posteriores a esse passado.
Essa classificação levou o historiador francês Marc Ferro, um dos primeiros a trabalhar História e cinema, a formular duas vias de leitura do cinema acessíveis ao historiador: a leitura histórica do filme e a leitura cinematográfica da história. A primeira corresponde à leitura do filme. Quem o fez? Como fez? Quando fez? Por que fez? A partir de que lugar fez? O que estava acontecendo quando ele foi feito? A segunda refere-se ao discurso do cinema sobre a história (aqui entendida como as experiências humanas, os fatos). Ou melhor: como os cineastas constroem representações sobre os acontecimentos históricos?
Baseado nesse método é que vamos procurar interpretar o filme “Parahyba Mulher Macho”. Em primeiro lugar, vamos falar sobre a história do filme.
A película foi produzida por Tizuka Yamazaki, uma das mais produtivas cineastas brasileiras. Descendente de japonês, ela fez um primeiro vestibular para Arquitetura, abandonando a idéia para ingressar no cinema. Dois fatores contribuíram para isso: primeiro, foi em Atibaia, ainda na sua adolescência quando foi ao cinema ver o filme “O Pagador de Promessas” (1962). Segundo palavras da própria cineasta,

Eu, que ia ao cinema para comer pipoca, achei aquele filme diferente de tudo que conhecia. Fiquei muito impressionada. Mais tarde fiz cursinho pré-vestibular. Um dos professores (de Física) era o Francisco Ramalho. Me lembro que, na época ele lançou Anuska, Manequim e Mulher (1968). Mas, mesmo assim eu não via o cinema como profissão. Fui para Brasília, pois queria sair de São Paulo. Passei no vestibular para o ICA (Instituto Central de Arte), da UnB, e fui estudar Arquitetura e Urbanismo. Fiquei muito impressionada com uma oficina de Cinema ministrada por Cecil Thiré, e passei a conviver com Vladimir Carvalho e Fernando Duarte, que eram professore da UnB.

Aí está o segundo momento de se decidir pela carreira de cineasta: a UnB (Universidade de Brasília) e a influência de Vladimir de Carvalho. Ainda de acordo com Tizuka Ymasaki

Me lembro de que Vladimir, que é paraibano, me dizia que eu tinha que conhecer o Nordeste. Foi o que eu fiz. Peguei um ônibus, passei pela Bahia e cheguei a Natal, no RN, no momento em que William Cobbet, que eu nem sabia quem era, filmava “Jesuíno Brilhante, o Cangaceiro” (lançado em 1972). Só que colegas meus me ligaram avisando que o curso de Cinema da UnB tinha sido extinto pelo vice-reitor, José Carlos Azevedo. Voltei às pressas, sem conseguir conhecer um set de filmagem.


Com a extinção do curso, Yamasaki e seus colegas se transferiram para a UFF (Universidade Federal Fluminense). Entre suas principais produções estão: Gaijin 1 e Gaijim 2, filmes da Xuxa e dos Trapalhões, Patriamada, Fica Comigo e Parahyba Mulher Macho, este que nos interessa nesse texto.
Este filme é de 1983, época que o Brasil vivia a lenta abertura política e o fim do regime militar. Mas o que será que levou Tizuka Yamasaki a se interessar por um tema político da Paraíba dos anos 1930? Deixemos a própria cineasta nos contar:

Porque o Nordeste, que Vladimir dizia que eu tinha que conhecer, tornou-se paixão de minha vida. E também por que aconteceu algo muito especial. Quando fui lançar “Gaijim” em Londrina, conheci José Jóffily, o pai do Jóffily cineasta, meu grande amigo. Jóffily filho me recomendou que procurasse o velho. Foi o que fiz. Ele me deu um livro sobre a história da Paraíba e recomendou: “abra na página 26 e veja a história de Anayde Beiriz”. Li e fiquei muito interessada. Comecei a escrever o roteiro com o filho, e o velho Jóffily me abastecia com artigos de jornal e rico acervo.

Como podemos perceber na fala da cineasta, a base para a construção do filme foi o livro “Anaíde: paixão e morte na Revolução de 30”, de autoria do historiador paraibano José Jóffily. O tema central do mesmo é o romance entre a professora Anaíde Beiriz e o advogado João Dantas, por meio do qual podemos entender as questões paraibanas e o movimento de 1930. Sobre isso voltaremos a falar mais adiante.
Ainda falando sobre a história do filme, merece destacarmos, com base em entrevista da própria Yamasaki, que por falta de apoio do governo paraibano à época, a maioria das cenas foram filmadas em Recife, Praia de Suape e Gravataí, como se fosse a Paraíba.
Um componente importante a ressaltar, também, é a questão de gênero. Yamasaki revela que quando foi lançar Gaijim não tinha consciência das dificuldades existentes para uma mulher no ramo do cinema, dominado pelo mundo masculino. “Afinal, venho de uma família que é um verdadeiro matriarcado. Só tem mulher forte”, afirma a cineasta. Segundo ela, ao lançar Gaijim, a imprensa começou a perguntar sobre as condições de trabalho de uma mulher cineasta no Brasil, o que despertou mais atenção sobre a questão.
Produzir um filme sobre Anayde Beiriz, uma mulher que na década de 1930 já questionava a cultura oficial e já lutava pela independência feminina, certamente respondeu aos anseios de uma mulher cineasta do século XX que buscou no passado exemplos para o presente. Segundo Yamasaki, “Eu queria que todas as mulheres que vissem o filme abordassem seus maridos ou namorados, para serem amadas como Anayde foi. O filme ganhou poucos prêmios, mas me deu visibilidade como diretora”.
Até então, falamos um pouco da história do filme, como primeira parte do método sugerido pelo historiador Marc Ferro. Agora passaremos a segunda parte, a leitura cinematográfica da história. Em suma: como a cineasta Tizuka Yamasaki constrói uma representação sobre Anayde Beiriz e a “Revolução de 1930”? É essa problematização que norteará essa narrativa a partir de agora.
Inicialmente gostaríamos de definir o que entendemos como texto. Na nossa concepção, o texto é tudo que é possível de ser lido, portanto, interpretado. Não apenas os escritos, mas os orais, os rituais, as práticas culturais, os símbolos e as imagens. Estas podem ser pinturas, fotografias, quadrinhos, charges e cinema. Elas falam sobre o mundo, elas interpretam o mundo, por isso são documentos. Sendo assim, tomamos o filme “Parahyba Mulher Macho”, como um texto imagético, o qual vamos procurar interpretar o que diz sua mensagem.
Nosso objetivo, portanto, não é tomar a película como a “verdade” sobre a conjuntura de 1930 na Paraíba. O que nos interessa, porém, é procurar problematizar a narrativa fílmica como uma representação dos acontecimentos, fazendo uma crítica interna e perscrutando como a cineasta constrói as tramas, as falas e personagens, o som, enfim, como é encadeada a versão cinematográfica e onde se aproxima ou se distancia da cultura historiográfica.
A introdução do filme se reporta aos acontecimentos de 10 de julho de 1930: os gritos nas ruas em prol da Aliança Liberal e o arrombamento do apartamento de João Dantas pela Polícia Militar da Paraíba. Na cena, a polícia não encontra documentos “suspeitos”, ou armas e munições, assim como algo que comprometesse o advogado de Teixeira. Encontra sim, cartas de amor trocadas entre ele e a professora primária Anayde Beiriz. Segundo a representação fílmica, o Jornal oficial, A união, alertara em manchete de capa que o teor das cartas era tão “imoral” que não podia ser publicada, no entanto, quem quisesse poderia comparecer à redação do jornal para averiguar. Teria sido esse incidente, o estopim para o assassinato do presidente João Pessoa.
A cena seguinte, remete para a protagonista da história: Anaide Beiriz. Com relação ao tempo histórico, ocorre um recuo deste, para focar a futura professora em sua adolescência. É representada, inicialmente, como menina rebelde, a ponto de por o dedo sobre a boca e revolver a hóstia sagrada entregue na primeira eucaristia, sendo alertada pela coleguinha ao lado de que era pecado e poderia sair sangue e que ela poderia “ir para o inferno”. Posteriormente, foi representada como aluna da Escola Normal, passando da condição de displicente e que compunha poesia falando de “amor e paixão que devora”, para a condição de ovacionada na formatura onde conhecera e dançara valsa com João Dantas. Entretanto, sua rebeldia e sua visão de mundo, muito à frente da sociedade de base patriarcal, moral cristã e cultura política clientelista e personalista, conferiu cerceamento no mercado de trabalho. O filme retrata que ela perdeu um emprego para “a última aluna da sala”, na época de estudante do magistério.
Outro símbolo do revolucionário pensamento de Anayde é sintetizado na cena da barbearia. Ela adentra o estabelecimento e ordena ao barbeiro que corte seu cabelo no modelo francês Alá garçon. Ele estranha o pedido e se retrái um pouco, apenas concluindo o serviço após a própria dar início ao corte dos longos cabelos. João Dantas chega na hora. O barbeiro não quer receber o pagamento pelo serviço mas ela insiste em nome da independência feminina. Daí em diante, os insultos são diversos e oriundos dos quatro cantos por onde ela passasse, a exemplo de “cortou o cabelo igualzinho aos homens”.
Seqüencialmente, o encadeamento vai se dando de forma linear, com alguns recuos para ser lembrada a cena que abre o filme, qual seja, o arrombamento do apartamento de João Dantas e a violação da privacidade dos dois namorados.
O próximo quadro da película destaca sua atuação como professora primária numa colônia de pescadores em Cabedelo, onde a mesma foi estuprada por um pescador que depois seria seu aluno.
Outra cena destacada por Tizuka Yamasaki, projeta na tela do cinema, um fato colocado em bastante evidência pela historiografia. Trata-se, portanto, do discurso de posse de João Pessoa, ocorrido em 22 de outubro de 1928. Enquanto a imagem projeta o presidente em cima de um automóvel tomando a direção do palácio e saudado pelos presentes nas ruas, a cineasta vai colocando como pano de fundo trechos do discurso de posse de João Pessoa. O presidente sobe as escadas, ladeado por José Américo e encontra com José Pereira que lhe entrega um lenço branco desejando-lhe sorte. No interior do palácio ele prossegue com o discurso, cujos trechos aparecem no filme, tais como: “Não há Democracia se não há eleições”, “Respeitarei os chefes políticos desde que não protejam cangaceiros e estejam em dia com o fisco”, “Acabou-se o tempo que rico não pagava imposto”, “Com parente, sem parente ou contra parente defenderei os interesses do Estado”, “Edificarei uma Paraíba forte aportada nas pilastras administrativas segura e moderna”. Após a posse, o filme foca a administração de João Pessoa cuja cena exibida retrata o presidente fiscalizando as obras públicas construídas por operários e penitenciárias.
A cena seguinte é rica em simbologias e representações. Narra o cotidiano da capital, retratado em um espaço comercial de diversão e lazer. É uma mistura de bebida, poesia, política e questões de gênero. “A nação está pegando fogo”, comenta alguém, ao se referir aos planos da Aliança liberal de enfrentar os paulistas. João Dantas responde: “Getúlio não tem força para enfrentar os paulistas, São Paulo tem o dinheiro dos ingleses”. Anayde interveio: “ingleses e americanos, tudo farinha do mesmo saco”. Todo esse debate, regado à bebida, foi travado em uma mesa de bar, como sendo espaço de sociabilidade.
A imagem é pertinente para que possamos nos aproximar do cotidiano dos anos 1930 com destaque para a chamada “cultura popular”. Enquanto a conversa sobre política fluía, ao lado da mesa da venda, um repentista, sozinho, afinava algumas notas e puxava alguns versos da sua viola. Por trás, podemos ver folhetos de cordéis pendurados sobre cordões barbante, à venda, como prática cultural bastante difundida naqueles anos. A historiador Márcia Abreu (1999), discute a literatura de cordel nordestina, ressaltando que seu início pode ser colocado a partir das marcas da oralidade das cantorias de violeiros, sendo a Paraíba o berço dessa prática. Leandro Gomes de Barros foi o pioneiro a publicar de forma sistemática, os folhetos e em 1930 a Paraíba já possuía no mínimo 23 autores.
Na cena em estudo, o repentista aparece sozinho, conforme já fiz notar. Segundo Márcia Abreu (1999) essa era uma prática corrente na qual o repentista podia a qualquer momento encontrar um outro que o desafiasse. No caso do filme, o violeiro encontrou uma mulher, Anayde Beiriz. Ele inicia a peleja dizendo que veio cantar sozinho mas agora aparece uma moça para desafiar e na última sílaba do verso afirma um código cultural da época: ... se é donzela ta correndo algum perigo”. Anayde vai respondendo de modo a desqualificar o poeta, prática cultural dos desafios de viola, também denuncia o patriarcado e a politicagem da época. O violeiro não se conforma com as pretensões liberalizantes do feminismo e no final de uma estrofe arremata: “... a mulher vai ganhar nome, vai ficar igual a homem e o Diabo vai se soltá”.
Emblemática é a forma como a cineasta representa o “NEGO”. Assim que João Pessoa promove a reunião do diretório do Partido Republicano Conservador Paraibano e decide romper com a candidatura de Júlio Prestes, imediatamente/seqüencialmente, aparece na tela o convite dos gaúchos José Bonifácio e João Neto, para que o presidente paraibano fizesse parte da chapa da Aliança Liberal como candidato a vice-presidente com Getúlio Vargas. O rompimento com Washington Luis precedeu ou sucedeu o convite da Aliança Liberal? O que nos diz a historiografia paraibana?
A cultura histórica oficial, na linha do pioneiro a escrever a versão sobre a conjuntura de 1930 na Paraíba, Ademar Vidal, coloca o “NEGO” como um gesto de “bravura” do “grande presidente” que discordava da política coronelística. José Américo, outro intelectual que falava a partir do Aparelho de Estado, buscou uma bricolagem em acontecimento bastante fundante na memória histórica nacional, o grito do Ipiranga, e comparou: “O grito do NEGO às margens do Sanhauá não foi menor do que o de Independência ou Morte às margens do Ipiranga”.
A historiografia perrepista elaborou uma representação que se contrapunha à oficial. Na linha do pioneiro livro de Joaquim Moreira Caldas

Circumstancia muito expressiva, attende-se bem, foi a da sua resposta dada ao governo federal, somente depois que a Alliança lhe acenou com a vice-presidencia, prebenda, que os sagazes rejeitarem, mas, que ao orgulho obstinado do presidente parahybano seduziu. Foi esta a razãoque o fez adepto da causa liberal, pois, até dias antes de acceitar a offerta vice-presidencial, era francamente pela candidatura do Sr. Júlio Prestes, dizendo confiar mais no critério e na orientação política do candidato paulista, não acreditando na sinceridade do pretendente gaúcho.

Para os marxistas, na linha do trabalho de Eliete Gurjão, a Aliança Liberal fez o convite para compor a chapa com Vargas primeiramente ao governador de Pernambuco Estácio Coimbra e posteriormente ao senador Paulo Frontim. Mediante recusa e consultando Epitácio Pessoa, foi formulado o convite ao seu sobrinho João Pessoa, obrigando o governo paraibano a romper com o Catete.
Sendo assim, a narrativa fílmica se aproxima da história oficial, da representação construída no bojo dos interesses do Estado. Comparando a película ao seu referente, o livro de José Jóffily, este não aborda a questão do “NEGO”, o que nos faz pensar ter a cineasta se baseado em outras fontes, possivelmente oficiais.
Em seguida, Tizuka Yamasaki coloca uma fala de João Pessoa falando sobre uma questão que os historiadores colocam, mesmo que por cosmovisões distintas, como a ferida no estômago que preparou a Guerra de Princesa. Trata-se da reforma tributária que empreendeu, objetivando dinamizar o comércio paraibano via capital e não pelo Recife, aumentando as alíquotas dos produtos que adentrassem ao sertão da Paraíba pelas fronteiras dos estados vizinhos e deixando praticamente a zero as incorporações realizadas pela capital.
A partir daí o filme desloca a narrativa para o sertão, ao som do baião Paraíba Mulher Macho que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira fizeram em 1950 para “homenagear a Paraíba”. Além das famosas porteiras, que aparece na cena, podemos perceber um símbolo da modernidade já adentrando por alguns municípios sertanejos, o automóvel. Também como forma de representar o sertão, a cineasta aborda a questão dos retirantes, desta feita, não os que desciam em direção ao brejo, como em A Bagaceira, de José Américo, mas, os que subiam em direção ao Juazeiro do padre Cícero. O retirante pede uma “ajuda” e o coronel José Pereira lhe manda entregar 100 réis, sendo advertido por xandú que, estando ao seu lado exclama: “100 mil réis José Pereira!”. O coronel responde de modo emblemático, conforme a cultura política clientelista, dizendo que o retirante por onde passar, de Princesa ao Juazeiro, vai dizer que o coronel José Pereira lhe deu 100 mil réis. E conclui ironizando: “Você já viu cabo eleitoral mais barato?”
Na mesma seqüência, aparece em Princesa o advogado João Dantas E comenta com Zé Pereira: “João Pessoa tá arregaçando as mangas”. Arremata o chefe político de Princesa: “João Porteira!” Dantas lhe avisa que o presidente da Paraíba aceitou ser candidato a vice com Getúlio e rompeu com Washington Luiz. José Pereira comenta que vai receber João Pessoa em Princesa “toda encarnada”, mas “vamos ganhar as eleições”. Ao final do diálogo, a cineasta coloca a versão de que José Pereira incumbiu João Dantas de mandar armar uma tocaia para pegar João Pessoa na estrada.
Em seguida, a narrativa fílmica volta à capital para acompanhar um outro diálogo, desta feita entre João Pessoa e José Américo. Este alerta o presidente de que Zé Pereira estava se armando e já contava, inclusive, com a presteza de Lampião. Sugere enviar tropas para o sertão para garantir as eleições.
Posteriormente a câmera volta a focar o sertão para abordar a tal da tocaia já falada anteriormente, cujo convite feito por João Dantas a um morador seu foi recusado em nome de sua família.
Enquanto rolava essas questões políticas, Anayde Beiriz some um pouco do filme e quando reaparece é para discutir política com seu namorado, que, aliás, nunca aparecem concordando um com o outro. Ou ainda, fazendo sexo, cenas que se repetem em boa parte do filme e escrevendo artigos para a Revista Era Nova, defendendo os direitos de cidadania política para as mulheres e o voto secreto. Após uma tarde de amor, eles discutem sobre política e ela afirma: “O povo dessa terra vota nas pessoas não nos partidos”. João Dantas desconversa. Ela insiste: “Você sabe que João Pessoa vai enviar tropas ao sertão para garantir as eleições?” Ele responde que José Pereira terá força suficiente para encarar as investidas do presidente da Paraíba. Ela insiste de forma provocativa: “Com voto de cabresto ou proteção de cangaceiros?” O resultado final desse áspero debate é um bofete que ele desfecha sobre ela que retruca: “Baitola”, “Eu não te amo”.
A cineasta utiliza a linguagem do teatro em uma passagem do filme, caracterizando assim a intertextualidade da trama. Nós historiadores diríamos, uma representação dentro de outra representação. Tizuka, por meio da arte cênica, acaba reiterando a versão historiografia oficial de que José Pereira era abastecido belicamente pelo Presidente Washington Luiz. Na peça aparecem José Pereira e João Pessoa, este empreendendo uma campanha de desarmamento cuja fala ordenava: “Zé Pereira me dá essa arma”. Enquanto João Pessoa conseguia arrancar uma arma e ia guardar, por trás da cortina do palco alguém lhe entregava outra, e João Pessoa repetindo a mesma ordenação ia retirando das mãos de Zé Pereira, até que é trazido ao palco o personagem oculto, Washington Luiz, para espanto do presidente da Paraíba.
Posteriormente, a narrativa fílmica, mais uma vez, aborda cenas de sexo entre João Dantas e Anayde Beiriz quando bate na porta um mensageiro de José Pereira lhe entregando uma carta na qual anunciava a declaração da independência do município de Princesa. Enquanto João Dantas comemorava a decisão e sonhava com a intervenção federal, os liberais empreendiam calorosos discursos contrários à independência de Princesa e organizavam a Semana da Bala.
Viajando novamente ao sertão, a filmografia concentra suas atenções desta feita no município de Teixeira. O delegado de polícia, Ascendino Feitosa, invade a cidade e troca tiros com Silveira Dantas, prendendo seus familiares, inclusive mulheres. Quando Silveira Dantas se entrega, em troca da liberdade dos seus parentes presos, um emissário comunica ao delegado que José Pereira está na entrada da cidade com 200 homens, o que o faz recuar.
Após mais uma discordância política entre os dois protagonistas do filme, o casal João Dantas e Anayde Beiriz, na qual ela esboça simpatia pelas idéias da Aliança Liberal, reaparece um diálogo, em palácio, entre João Pessoa e José Américo, seu braço direito. João Dantas havia escrito artigos contra o presidente João Pessoa. Zé Américo adverte o presidente paraibano sobre as possibilidades de no apartamento de João Dantas haver munição e que não custa nada averiguar. Também expressa desejo em ir ao sertão para comandar a guerra. Fala da possibilidade de intervenção federal e sugere fazer uma revolução. João Pessoa não pensa duas vezes e retruca: “Prefiro a guerra de Princesa a uma revolução.”
Em seqüência, aparecem cenas da guerra. Na imagem a simbologia me chamou atenção. A milícia de José Pereira é representada com chapéu e vestimentas de cangaceiros e a linguagem remete para essa significação, isto porque, os cabras do coronel de Princesa sempre se reportam aos soldados da Polícia Militar como macacos, expressão utilizada pelos bandos de cangaceiros para com as volantes do Estado.A guerra ganha realce na trama fílmica. O Jornal do Brasil anunciando a morte de 10 soldados em combate com os homens de José Pereira, João Pessoa confere a matéria do periódico. A polícia tenta invadir a casa de João Dantas que foge por uma escada e, após se despedir de Anayde em uma festa de coco de roda, foge para Recife. Os ânimos estão exaltados. Os Correios violam correspondência pessoal de João Pessoa. Ele decide: “Vou ao Recife, publiquem no jornal.”
Anayde viaja à Olinda e bate a porta do cunhado de João Dantas, Augusto Moreira Caldas. Seu namorado lá não se encontrava. Enquanto ela e o cunhado de Dantas saem em um automóvel, a sua procura, isso em meio a viajem do presidente da Paraíba ao Recife, ao arrombamento do apartamento de João Dantas, cena inicial do filme, e o anuncio no jornal da presença de João pessoa no Recife.
Enfim, uma cena esperada por todos: o assassinato de João Pessoa. Tizuka prima pela versão de que João Dantas haveria se identificado primeiro e depois desfechou três tiros. Nesse instante, o chaufer do presidente atirou e acertou Dantas na testa, no momento que Anayde e Augusto Moreira Caldas adentrava à Confeitaria Glória afim de evitar aquilo que já havia consumado.
A partir de então, enquanto João Dantas e seu cunhado Augusto Moreira Caldas aparecem presos na Casa de Detenção de Recife, na Paraíba ocorre a caça ao perrepistas e a mitificação de João Pessoa. A cineasta põe em evidência o velório do presidente, com destaque para o hino de João Pessoa, a liderança feminina na criação de lugares de memória ao presidente morto e a bandeira vermelha com a inscrição “NEGO” cobrindo o caixão.
Na Casa de Detenção, João Dantas recebe a visita de Anayde e pede a ela que lhe traga um bisturi escondido na gola de um paletó. Após algumas reticências ela cumpre o pedido de seu grande amor. Temendo a revolução, argumenta ele a ela: “Eu fiz um herói para trazer a revolução.”.
Enfim, mais uma cena esperadíssima, a morte de João Dantas e seu cunhado, após a vitória dos liberais revolucionário. Enquanto lá fora os revolucionário gritam e atiram sobre a prisão, no seu interior um militar lhe entrega o paletó que Anayde enviara. Ele retira o bisturi e põe na meia. Imediatamente, a sela é invadida por alguns homens, entre eles a figura de Joaquim Pessoa e por alguns militares, possivelmente, Ascendino Feitosa. Augusto passa mal e tem ânsia de vômitos. Os dois são trucidados, sangrados vivos, ao som de música fúnebre e de um símbolo (uma baleia jorrando sangue em pleno mar), para esconder o impacto maior aos telespectadores, creio eu.
Não menos importante é o final do filme. Aliás, dois finais trágicos, algo bastante diferente do costumeiro “... e foram felizes para sempre”. A cineasta toca numa ferida e desconstrói a versão oficial de que João Dantas haveria assassinado seu cunhado Augusto Moreira Caldas e posteriormente se suicidado. Ela reconstrói a cena ocorrida em 6 de outubro de 1930, após a vitória da Aliança Liberal, na Paraíba, de modo a convergir com a memória histórica perrepista denunciada por Joaquim Moreira Caldas no livro Por que João Dantas assassinou João Pessoa. Em vez da versão de suicídio, essa obra procura provar que os dois presos da Casa de Detenção do Recife foram assassinados pelos vingadores da morte de João Pessoa, dentre eles, Joaquim Pessoa, irmão do presidente paraibano.
A imagem em movimento constrói uma significação de luta para o incidente. Mais uma vez o texto fílmico difere do texto referente, ou seja, do livro de Jóffily. Em Anayde: Paixão e Morte na Revolução de 30, o historiador paraibano defende a tese do suicídio e argumenta problematizando de diversas formas: como poderiam os bilhetes deixados por ambos, que se constituíram grafologicamente corretos, terem sido feitos por outrem, em forma de imitação, em pleno calor do tumulto e da luta? Como, em meio a tais lutas, iriam os liberais encontrar, em Recife, um gênio da grafologia a fim de que imitasse com tanta perfectibilidade e em poucos minutos letra, redação e firmas das vítimas? Assim como, segundo Jóffily, João Dantas já haveria confessado ao seu irmão Manuel, que caso estourasse a “revolução” preferia se suicidar a se entregar.
Vendo por outro ângulo da história, Joaquim Moreira Caldas utiliza, dentre outras possibilidades de prova, duas fotografias que atestariam a tese do assassinato de João Dantas e Augusto Moreira Caldas. Segundo o autor, o fotógrafo Louis Piereck, havia retirado uma fotografia das duas vítimas, logo após o falecimento. Entretanto, “por imposição da polícia ou de fanáticos”, teve que fazer uma segunda fotografia, esta sim, oficial. A primeira, portanto, o fotografo guardou no seu cofre particular e apenas veio à tona após a morte do mesmo, que cometeu suicídio. Que diferentes leituras, fez Joaquim Moreira Caldas, das duas fotografias?
Consoante interpretação do autor, uma leitura iconográfica perrepista a partir de seu lugar social, a primeira fotografia é a “verdade” sobre a morte dos dois detentos, ao passo que a segunda, é pura ficção, pois teria havido toda uma sistematização da cena a fim de construir e difundir um imaginário que os liberais queriam projetar na memória coletiva.
Ressalta que, na primeira fotografia, que o autor chama de “original”, a posição dos cadáveres denuncia a tese do assassinato, isso porque, aparecem de modo bastante evidente, sinais de luta. Não se ver a cadeira junto à cama de João Dantas guarnecendo alguma roupa, assim como o bolso das calças de Augusto Caldas se encontra escancaradamente para a parte externa. Na segunda fotografia, o bolso já está reconstituído e aparece uma cadeira ao lado da cama de João Dantas com um paletó de lã. O corpo de João Dantas foi emborcado para que não aparecesse na imagem, os cortes no pescoço e na cabeça do detento, bastante visíveis na primeira fotografia. Também é questionado no livro de Joaquim Moreira Caldas que enquanto na primeira imagem as vestes e os lençóis da cama estavam encharcados de sangue, na segunda, esses sinais pouco aparecem. Problematiza o autor: se o ferimento foi num vaso interno e ele se suicidou deitado, conforme versão liberal, “... o sangue, que não sahia em esguichos de vaso arterial, como lhe ensopou tanto a camisa, a calça e os lençóis, quando pela natural gravidade devia correr pelos lados, ou por um, do pescoço e se espraiar no soalho?” (CALDAS, 2005, p. 174).
Argumenta ainda o referido escritor, que havia um corte na testa de João Dantas, com base na primeira imagem, apropriada e ampliada pelo intelectual perrepista. E conclui que, após exumação dos cadáveres, feita por sugestões da família, constataram-se agressões ao crânio de Dantas, sinais de cacetadas e luta corporal. E para demonstrar que tais marcas no crânio não foram do tiro que o chauffer de João Pessoa disparou na Confeitaria Glória, a família comparou radiografias mostrando que a que foi feita no dia 26 de julho não apresenta as marcas pretas no crânio de João Dantas, agora exumado. E mais: não poderia ser sinal de violência ou acidente corriqueiro, uma vez que ele fora preso no dia 26 de julho e lá ficou até o 6 de outubro.
De modo a reclamar as perdas dos parentes, o autor, ainda enlutado, também se queixa do não enquadramento da memória (POLLAK), pois as versões perrepistas sobre 1930 foram marginalizadas, ocupando lugar central em outras redes de sociabilidades, a exemplo da tradição oral familiar, ao passo que a narrativa liberal foi contada e recontada, cantada, escrita e materializada nos lugares de memória institucionalizados e nos símbolos do poder, fomentando um imaginário que se queria projetar a serviço da legitimidade da “revolução” e da ideologia levada à cabo pelo Estado Nacional varguista que emerge dessa conjuntura. Deixo o espaço para o desabafo de uma memória tantas vezes calada:

Deste modo está bem identificado o crime, o monstruoso homicídio que ehuberantemente provamos com esta farta documentação que ahi ficou. Um intuito somente tivemos, pois a vida não lhes podíamos dar: foi desmascarar os cynicos que alem de terem trucidado as duas indefesas creaturas, ainda escarnecem de suas memórias, dizendo-os suicidas! (CALDAS, 2005, p. 175).


Aqui cabe uma interpelação: por que razões Tizuka Yamasaki optou pela versão perrepista do suicidado e não pela mais corrente, a de suicídio? Ora, se o livro base do filme, o de Jóffily, compactua com a versão liberal/oficial, por que a cineasta operou um deslocamento de representação, optando pela memória marginalizada?
Sobre a protagonista do filme, a professora Anayde Beiriz, Tizuka Yamasaki não constrói um final na trama fílmica que pudesse investir com riqueza de detalhes o suicídio da professora. Nesse sentido, o filme e o livro de Jóffily se aproximam. São lacônicos. A cineasta podia ter utilizado o recurso da imaginação pois a cultura histórica fílmica permite esse passeio, o que é vedado ao campo do historiador, que deve conduzir a narrativa histórica com um certo rigor metodológico para evitar os famosos anacronismos, pecado mortal do nosso ofício.
Quem gosta de um final feliz não vai gostar do filme. Quem gosta de ver a tragédia de forma minunciosa, também deve se decepcionar com o filme. A cineasta fecha a obra com Anayde caminhando pelas ruas de Recife, em meio a tiroteios dos revolucionários, a imagem é congelada e aparece escrito na tela: “Anayde Beiriz foi encontrada morta quinze dias depois no asilo Bom Pastor em recife, Pernambuco. 22 de outubro de 1930”, ao som do baião Paraíba Mulher Macho, cantado por Tânia Alves, atriz que fez o papel da revolucionária feminista dos anos 1930.


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FONTES DOCUMENTAIS

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Livros de Atas das Sessões Legislativas (julho a setembro de 1930)
Livro de Projetos de Leis e Pareceres (julho a setembro de 1930)

ARQUIVO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DA PARAÍBA (IHGP)

Jornal A União (1930-1945);
Jornal A União, 9 maio. 2004.
Arquivo Privado de Adhemar Vidal;
Arquivo Privado de João Pessoa;
Série Produção Intelectual (1910-1940)

ARQUIVO DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÌSTICO DO ESTADO DA PARAÍBA (IPHAEP)

Inventário de Bens Móveis e Integrados do IPHAEP.

ARQUIVO MAURÍLIO DE ALMEIDA

Jornal Correio da Manhã (1930-1933)
Jornal A Liberdade (1930)

DEPOIMENTOS ORAIS

INADI TORRES VILAR: agricultor, nascido em 2 de fevereiro de 1927. Entrevista em 23 de janeiro de 2005.

REUZA RIBEIRO DE QUEIROZ: professora primária aposentada, nascida em 5 de outubro de 1923. Entrevista realizada em 6 de fevereiro de 2005.

MAURA TAVARES DE LIMA: professora aposentada, nascida em 5 de agosto de 1937. Entrevista realizada em 22 de outubro de 2005.

MANUEL DANTAS VILAR FILHO: engenheiro civil e fazendeiro no município de Taperoá. Entrevista realizada em 11 de maio de 2006.

EDITE CORDEIRO DE SOUZA: agricultora, residente no município de São João do Cariri. Entrevista concedida em 22 de outubro de 2006.